Falava há dias com amigas sobre este tema, de forma leve. É que ainda há muitos que pensam que este é um daqueles assuntos do arco da velha, inatingível, só para alguns, hermético, para quem não tem nada que fazer, para quem é calmo… e por aí vão as suposições várias sobre este tema.
Se consultarmos um dicionário, ele vai-nos lançar sinónimos como “pensar sobre, considerar, ponderar, combinar, projectar, reflectir” e outros parecidos que apontam para uma vertente intelectual e operativa da mente. Está muito bem se a mente fizer isto tudo, pois uma mente saudável quer-se capaz de pensar, como um coração saudável bate ritmicamente, os pulmões inspiram e expiram o ar, o aparelho digestivo opera habilmente para fazer a digestão, e por aí fora…. o corpo é este relógio com ar de milagre que tudo faz sem nada fazermos. Uma mente saudável é uma mente que pensa. Uma mente que não pensa em nada não está bem, assim como um coração que não bate falha no seu propósito. A mente foi feita, ámen, para pensar.
A ideia de pensar em nada é já um contra senso! Se pensamos, pensamos em alguma coisa, pensar em nada? Se a mente está vazia, não estou a pensar; se penso, penso em alguma coisa! Essa história do sexo masculino se apregoar capaz de não pensar em nada tem muito que se lhe diga! O que eles podem fazer é desligar, cortar essa ficha que liga constantemente a nossa noção de Ser àquilo que nos passa na cabeça; eles sabem pensar sem que o pensamento tome conta deles! E assim, se calhar estão naturalmente mais perto desse estado meditativo que muitos apregoam longínquo e até impossível.
É bem verdade que hoje estamos habituados a receitas rápidas e resultados à la minute, daí a meditação trazer também algumas reticências. Claro que quem nunca fez, não se vai sentar de pernas cruzadas por uma hora a meditar!! Eventualmente nem dez minutos, nem cinco. Mas o propósito não será conseguir meditar, será tentar meditar. Sem objectivos, sem esperar grandes resultados, dar-se apenas à experiência de ali estar, em presença.
São mais sérios os que dizem que não conseguem do que aqueles que apregoam desde logo vitórias e conquistas. Pois se num dia a dia em que vivemos a correr, com estímulos constantes, agressivos, exigentes, com relógios e obrigações e objectivos, de repente paramos e conseguimos desacelerar tudo em menos de nada? Não, mas também por isto precisamos de treinar fazê-lo. Quando a mensagem latente é de que somos melhores se fizermos mais, se atingirmos mais, se formos mais produtivos, importa vir a contraproposta de parar, de desligar, de virar para dentro, de estar, por breves instantes, imóveis, e, pelos critérios ocidentais e modernos, sem fazer nada. Até percebermos que este não fazer nada corresponde a uma demanda voluntária e intencional de estar presente em imobilidade e sem acção visível. A acção invisível corresponde a um treino de disciplina para a mente. Da mesma forma que trabalho o corpo físico e amavelmente depois lhe dou descanso, devo conscientemente fazer o mesmo à mente.
Os resultados virão mais tarde, e, para já, pouco importam. Serão mais doces do que se espera num primeiro momento, trarão ensinamento, mas para já só queremos treinar. Treinar a mente estar presente, a resistir ao chamamento do rol contínuo e encadeado dos pensamentos. Os pensamentos estão sempre a vir e a ir, como o ar entra e sai dos pulmões, sinalizando a saúde e eficiência do nosso corpo. Mas eu não sou os meus pulmões, não sou o meu coração (embora…) e também NÃO SOU a minha mente. Portanto os pensamentos podem vir, que eu observo-os e largo-os de seguida, nem que seja por uns instantes, eu não trepo para o dorso dos pensamentos que me carregam sem o meu arbítrio como um pássaro que voa livremente pelo céu. Não vou. Fico aqui. Agora. A mente pensa. Eu não penso, por agora, com ela.
Claro que inicialmente serão mais as vezes que não o consigo fazer do que as que consigo. E isso é o estado previsível das coisas. Não é uma incompetência. Requer treino. Repetição. E sobretudo compreensão de que o grande bem que faz não está no efeito imediato mas na perseverança, na tentativa repetida e desapegada dos resultados. Lida-se com a frustração, com o desconforto, com ânsias em sair dali. E tudo isto acontece antes sequer da pessoa meditar.
Praticar a meditação, neste primeiro estágio, não é não pensar em nada – lembremo-nos que uma mente saudável é também avaliada por essa capacidade de encadeamento lógico e criativo. Meditar, como se diz, é apenas sair do grilhão da mente para simplesmente observar o pensamento sem nos deixarmos envolver. Observá-lo a vir e a ir sem nos empoleirarmos nessa teia infinita que se constrói sem intervenção da nossa vontade, como se os pensamentos fossem carruagens de comboios onde o sujeito entra sem sequer saber para onde vai. A meditação é um convite para ficarmos a ver os comboios passar. Só por uns instantes.
Nestes cinco minutos, e só por cinco minutos, eu treino a observação do que me vai na mente. Amanhã tento outra vez. E fica mais claro perceber que o Eu que sou não é a mente que pensa.
Vou-me esquecer agora, para me lembrar amanhã outra vez.