Antes de mais, deixem-me respirar fundo. Tenho a cabeça a girar, a respiração ofegante, o coração acelerado, a garganta seca… Um copo de água, preciso de um copo de água! O que foi que acabei de ver?! Ok… vamos a isto.
Imaginem o seguinte… imaginem que encontraram o vosso cantinho no mundo e que têm a sorte de partilhá-lo com a vossa alma gémea. Perfeitamente felizes, embriagados pelo amor e os doces momentos da vida a dois. Olham nos olhos do outro e sabem que aquilo basta, não precisam de mais nada para serem felizes. Agora… imaginem que, sem aviso, abruptamente, da pior maneira possível toda essa felicidade é arrancada das vossas mãos. Não como roubar um doce a uma criança, mais como cortar a criança aos bocadinhos e só então roubar o doce. Conseguem imaginar? Eu consigo.
O ano é 1983. Nas isoladas Shadow Mountains, um casal encontrou o seu cantinho paradisíaco longe da sociedade. Porém, também é lar de Jeremiah Sand (Linus Roache), músico falhado de New Age Rock e o seu pseudo-culto apocalíptico de personagens bizarras: os Children of the New Dawn. Prestação imaculada do ator com os seus monólogos narcisistas de falso profeta. Acredita que tudo lhe pertence (por ordenação divina), incluindo Mandy (Andrea Riseborough), com a qual fica obcecado ao avistá-la uma única vez. Com a ajuda do seu séquito que o teme e venera rapta-a e… enfim… sem spoilers! É um filme de terror com cultos psicopatas sob o efeito de LSD e outras drogas sem nome, é um filme de gangues motards que fazem lembrar uma mistura distorcida de Leatherface (The Texas Chainsaw Massacre) com HellRaiser, é um filme de vingança, é um filme sangrento e violento. É uma obra prima dentro do género, que quase nos faz sentir como se também tivéssemos nós uma pastilhita ou outra debaixo da língua.
Todos os atores que dão cara e voz às personagens, cada uma mais bizarra do que a outra, estão aqui fenomenais! Andrea Riseborough, com os seus longos cabelos negros, olhar penetrante e beleza não convencional, representa na perfeição Mandy que é literalmente a manifestação física da pureza e da inocência. Passa os seus dias numa existência fácil, mas completa. Trabalha numa loja de conveniência de dia. De noite cria arte fantástica de planetas distantes, lê pulp novels absurdas e partilha os seus pensamentos com Red (Nicolas Cage), um simples lenhador que a adora e venera. Nicolas Cage oferece-nos uma prestação memorável. Possivelmente a melhor da sua vida. São claramente almas gémeas e os dois atores fazem-nos acreditar que a relação é real. Tão real que todos os atos que precedem ao rapto de Mandy estão indubitavelmente justificados: todo o desespero, fúria e vingança sangrenta. Red, sem nada a perder, é totalmente consumido pelo desejo de vingança, cego, não quer saber de mais nada. Faz-nos pensar que se calhar faríamos o mesmo, se soubéssemos forjar armas com as nossas próprias mãos, ou manobrar serras eléctricas…
A música… a música! Composta por Johann Johannsson aparece aqui quase como (ou talvez o seja mesmo) uma dedicatória ao recentemente falecido artista islandês. Melódica, psicadélica e com o seu ponto de Black Metal na sua essência mais crua, incute-nos no peito uma ansiedade que pode adivinhar o horror que espreita por detrás do bosque cerrado. Os silêncios apenas interrompidos por respirações ofegantes ou o restolhar das folhas pisadas, também nos põem os cabelos em pé.
Panos Cosmatos é um génio, pura e simplesmente. As luzes, os sons, tudo foi pensado cuidadosamente para nos pôr os sentidos ao rubro. O realizador, já nos tinha dado provas da sua genialidade em Beyond the Black Rainbow (2010), e Mandy (2018) não desilude. Fãs de bons filmes de terror, com um lugar especial no coração para o good old Black Metal, fica aqui a minha recomendação.
P.S: Deixem as pipocas para outra altura, para um filme mais, digamos, fácil no estômago…