Luís Osório brilha em «Ficheiros Secretos no palco»

No dia 15 de março, a Casa da Música (Porto) encheu-se de gente – mais de mil pessoas – para ouvir Luís Osório, que preencheu a Sala Suggia de histórias e memórias. Um espetáculo que durou pouco mais de duas horas, baseado no seu livro Ficheiros Secretos (vai já na 3.ª edição). Esta iniciativa cultural tem percorrido o país e, nesta quarta, dia 23, esgotará também o Tivoli (Lisboa). Intercalando algumas evocações do jornalista e escritor houve, momentos de voz off gravada, cujo locutor foi o ator João Reis, presente no certame.

Ficheiros Secretos, agora em palco – e cujo pioneiro de conceção e executor de sucesso foi o editor Rui Couceiro –, aborda luzes e sombras, o ganhar e o perder, sempre com detalhes curiosos e com um humor refinado. Trata de pessoas e lugares que serão convocados, sendo eles “espectros que nos ajudaram a moldar o que somos”, esclareceu o autor.

A sessão deu início com a declamação dum texto sobre ser mãe e com o tema musical «Guarda-me esta noite», interpretado pelo artista e compositor Valter Lobo.

Osório começou a sua abordagem referindo-se primeiramente a Eugénio de Andrade, descrevendo episódios com o Arq. Siza Vieira e sobre a pintora Armanda Passos, todos eles do Porto.

Através da palavra “felicidade”, mencionou Eduardo Lourenço, que muito escreveu, mas escrevendo-a apenas após a morte de seus pais. E após esse momento ele se libertou. Libertação que sucedeu também a Ary dos Santos, cuja voz se ouviu em poema gravado. O escritor recordado que se seguiu foi José Saramago. Voltou-se a ouvir uma voz gravada: um poema de Nuno F. Silva, do Porto, também ali presente.

Apresentou, depois, a Rita Bulhosa (filha do jornalista Mário Augusto, também presente, e da Paula), sobre a qual disse ter nascido com um sorriso constante, talhada para viver e para fazer concretizar os sonhos. Daqui passou para José Pacheco Pereira, que muito jovem se apaixonou muito a sério por Mao Tsé Tung. Depois de meses na clandestinidade deixou o maoismo e filiou-se no PSD. De seguida, perguntava retoricamente: “Bem, o que dizer dum jovem ilustre na Faculdade de Direito de Lisboa: era intelectual e gostava de «andar à porrada»?” Era o Arnaldo de Matos. Nessa sequência de ideias lembrou também Durão Barroso, Cavaco Silva, João de Deus Pinheiro e Ferreira do Amaral.

Voltou a falar dum dos convidados presentes, Fernando Alvim – que é de V. N. Gaia –, quem considerou um dos melhores humoristas que temos e que está sempre a reinventar-se. Esta viagem de memórias continuou e evocou Santana Lopes, Bagão Félix e Herberto Hélder. Recordação especial foi para uma verdadeira estrela do rock and roll, o Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés. Viveu feliz e morreu feliz. A única coisa que pediu ao morrer foi fazê-lo com as mãos nas mãos da Cristina, a sua mulher. E assim foi. E a Cristina esteve ali igualmente presente.

Seguiram-se outros nomes que marcaram o país sendo príncipes do pensamento democrático em Portugal: Francisco de Sá Carneiro (referenciando, também, a sua mulher Snu Abecassis), Francisco de Lucas Pires (que considerou ter sido o melhor ministro da Cultura; falando também do seu filho mais velho, o escritor Jacinto) e de Adriano Moreira.

Entre essas figuras com grande vida vivida não esqueceu a enorme Simone de Oliveira. Foram, ainda, evocados camaradas comunistas, como Tereso, António Dias Lourenço, Edmundo Pedro, Francisco Martins Rodrigues.

Não faltou a lembrança e história do jovem Abel, o último leproso em Portugal, que Osório conheceu. Fez tributo, seguidamente, a Paulo Abrunhosa. Luminoso, que regava da mesma maneira a sua parte sombria e que o fez morrer tragicamente com 43 anos. Escreveu, com a ajuda do irmão Pedro – um dos nomes maiores da cultura portuguesa –, o livro __ dum Dromedário. E carimbando eximiamente esse momento nostálgico, Pedro Abrunhosa – que escolheu a luz (não bebe, não fuma) – subiu ao palco, comovido, e cantou ao piano «Deixas em mim tanto de ti» (tema dedicado ao seu irmão).

Nesta memória, feita homenagem, foi gratificante ouvir a voz inconfundível e amiga de Maria Barroso e da sua história coincidente com a história fundadora do PS, criado pelo seu marido Mário Soares.

Mereceram, ainda, igual menção de destaque: a cientista Raquel Seruca, que partiu cedo (contou com a presença da mãe na Casa da Música); a própria mãe de Luís Osório, que amava cantar mas que ele nunca a ouviu cantar; a atleta Aurora Cunha, a nossa campeã do mundo e que também estava presente; o atleta Carlos Lopes, que está doente em sua casa e que recebeu, entretanto, do Luís um vídeo mostrando o público, de pé, ovacionando o campeão que ganhou tudo o que havia para ganhar, para assim sentir que não está só nem esquecido; o político Álvaro Cunhal e o bispo D. Manuel Martins.

O enorme presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, ali presente e que em pequeno chegou a querer ser polícia-sinaleiro, teve também um enfoque especial na sessão, tendo sido várias vezes aplaudido. Osório afirmou que Pinto da Costa foi quem tornou o FCP um símbolo nacional e que, sendo ele benfiquista, era um privilégio estar diante do presidente do FCP. Por sua vez, e sobre a vontade de querer continuar a ganhar, este afirmou: “Quando perdermos a ambição, morreremos mesmo sem estar fortes”. Não foi esquecida a evocação ao seu irmão José Eduardo, um grande médico de quem considerou não ter tido a melhor homenagem de despedida pelo país.

Eis outras figuras públicas, além das já indicadas, que estiveram presentes no Porto, neste espetáculo imperdível: Jorge Gabriel, Luís Portela e Nuno Cardoso.

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