“A vida, no geral, é uma fonte de inspiração infinita.”
Lourenço Seruya, talentoso escritor português de trillers, nasceu em Lisboa, na década de 90. Antes de se estrear no mundo da escrita, Lourenço passou pela área da Comunicação e concluiu o Curso de Formação de Actores da ACT – Escola de Actores. Desde então, tem-se destacado como actor no teatro, televisão e cinema, fazendo parte da sua carreia participações em teatro, televisão, filmes e séries. Lourenço é também professor de Expressão Dramática, leccionando aulas para crianças e adultos. Tem três livros publicados até ao momento, sendo o primeiro deles o emocionante thriller A Mão que Mata, a que se seguem o envolvente A Maldição e o inesperado Crime na Quinta das Lágrimas.
Já o ouvi afirmar em outras entrevistas que descobriu que queria um dia ser escritor quando percebeu que “os livros não caíam do céu e havia pessoas que os escreviam”. Pode contar-nos um pouco mais sobre esta descoberta?
Lembro-me de que tinha uns 7 ou 8 anos, nessa altura comecei a ler os livros de Uma Aventura e os da Enid Blyton e foi quando ganhei a consciência de que os livros apareciam nas prateleiras porque havia pessoas que os escreviam. Achei fascinante a ideia de me sentar a uma secretária e escrever uma história do início ao fim. A possibilidade de criar personagens e pô-las a viver aventuras deslumbrou-me desde essa altura.
Tive a sorte de ter professoras de português incríveis, que também desde miúdo estimularam o meu gosto pela leitura e pela escrita.
Como é conciliar a sua carreira como actor e como professor, com a escrita? De que forma uma influencia a outra?
Há alturas mais complicadas, sobretudo nesta fase de final de ano letivo, em que há muito trabalho nas escolas. Enquanto professor, passo muitas horas por dia na escola e depois outras tantas em casa a preparar aulas, avaliações, etc. Os momentos livres têm que ser bem aproveitados para a escrita e isso exige uma grande autodisciplina.
Enquanto ator, hoje em dia sou cada vez mais atento e exigente com os textos que me chegam às mãos. O meu trabalho enquanto escritor acentuou a minha consciência do que é um bom texto e faz com que consiga identificar de imediato as fragilidades de certos diálogos.
Por outro lado, a minha experiência enquanto ator ajuda-me muito na caracterização das personagens e na escrita dos diálogos. Deu-me muita sensibilidade para perceber quando um diálogo funciona e quando está “mecânico”, ou não soa credível. Há pormenores que são muito indicativos do feitio e perfil de uma personagem. A maneira como ela se movimenta, como fala, que tipo de vocabulário usa, estilo de roupa, etc, tudo isso é um reflexo do seu interior.
O Lourenço tem até agora três livros editados. Pergunto como foi o início deste caminho e como tem sido a evolução deste percurso?
O início foi maravilhoso! Quando realizei que, das editoras que tinha contactado, havia quatro interessadas, nem queria acreditar. Tem sido um caminho de (muita) aprendizagem e com uma evolução muito positiva, quer pela minha perceção, quer pelo feedback que tenho tido dos leitores. Cada livro está mais maduro que o anterior, cada vez ganho mais consciência do que funciona e resulta numa história policial e cada vez estou mais seguro em relação à minha voz enquanto escritor. Mais convicto em relação ao tipo de histórias que quero escrever.
Já não lhe causará surpresa ver os seus livros nas prateleiras das grandes livrarias. Mas ainda lhe causa emoção?
Sim, ainda me emociono, claro! E quando os vejo nas livrarias, durante uns segundos ainda questiono se aquilo é mesmo real, ou se estou a sonhar. 3 livros depois, ainda continuo a ter estes segundos de dúvida. Ver o Crime na Quinta das Lágrimas em 7º lugar no TOP de vendas da Bertrand foi, sem dúvida nenhuma, um dos momentos mais emocionantes deste percurso.
Tem escolhido locais emblemáticos de Portugal para o desenvolvimento das suas histórias, e percebe-se a sua importância no desenvolvimento da narrativa. São esses locais os pontos de partida para as suas histórias?
Sim, o ponto de partida para cada livro é o local da ação. É o que despoleta todo o meu processo de criação. Fiquem atentos, porque há mais sítios emblemáticos de Portugal que vão aparecer nos próximos livros…
Na sua opinião quais são os ingredientes essenciais para um bom thriller? Como equilibra a tensão, o suspense e as reviravoltas?
Acho que o mais importante é haver um mistério central forte. Quem matou aquela personagem? De que forma? E porquê? São estas as perguntas que devem pairar na cabeça dos leitores logo nas primeiras páginas e que os devem fazer querer ler de um fôlego até ao final.
Outro ingrediente importante é o que os ingleses chamam de “plot twists”, ou seja, reviravoltas. Todos gostamos de ser surpreendidos durante a leitura e isso é um elemento a ter em conta durante a escrita de um livro. Cada personagem deve ter um segredo, algo oculto que pode ou não ter a ver com o crime, mas que cria tensão e suspeitas ao longo da narrativa e, consequentemente, agarra o leitor.
Sobre as reviravoltas, é importante que não sejam demasiadas, se não a história deixa de ser credível. Já vi isso nalgumas séries e livros: eram tantas reviravoltas, que acabei por me desligar do enredo porque estava a deixar de ser verosímil.
Pode contar-nos um pouco do seu processo criativo? Quais são os principais desafios que um escritor enfrenta?
Como referi há pouco, o processo criativo começa com a seleção do local da história. A partir daí, começo a construir as personagens. Que tipo de pessoas frequentam ou vivem neste espaço? Que idades e profissões têm? Que relações há entre elas? Por que motivo estão lá? De seguida, defino a vítima, o assassino, o motivo do crime e de que forma é cometido.
Quando tenho isto tudo alinhavado, planeio a história do princípio ao fim, pormenorizando o que acontece em cada capítulo. E quando esta etapa está concluída, começo a escrita propriamente dita. Deixo sempre algumas coisas em aberto, porque percebi que há ideias/acontecimentos que apenas surgem durante o processo de escrita.
Principais desafios: surpreender o leitor, mas sem retirar a credibilidade da história. No fundo, tentar que as reviravoltas surpreendam, mas que não sejam descabidas. Encontrar uma motivação forte e plausível para o crime. Incluir na narrativa as pistas sobre o assassino, mas que não sejam óbvias, para que o leitor não perceba logo no início.
Outro grande desafio é ser autodisciplinado. Há dias em que não me apetece sentar ao computador e que, de repente, tudo o resto me parece muito mais importante: limpar a caixa de entrada do e-mail, arrumar a roupa, enfim, procrastinar ao mais alto nível.
Como é o seu processo de pesquisa para garantir a veracidade dos elementos policiais e investigativos presentes nos seus livros?
Falo sempre com uma inspetora da PJ que é minha amiga, e com um médico legista que me foi apresentado. Ambos me esclarecem as dúvidas e questões relacionadas com esses assuntos e garantem que as informações que incluo nas histórias são fiéis à realidade.
Também li vários livros sobre investigação policial e ciências forenses.
Sei que desde muito cedo começou a ler livros de aventura e que é fã de policiais. Pergunto-lhe se os seus gostos como leitor o influenciam como escritor, e quais são os escritores que mais o inspiram na sua escrita?
Sim, os livros de que gosto têm alguma influência na minha escrita, sobretudo os policiais. Os ambientes fechados, com um número reduzido de suspeitos, que observamos nos livros da Agatha Christie são um bom exemplo disso. Para além da Agatha Christie, gosto muito dos livros da Camilla Läckberg, Robert Bryndza, JK Rowling e Tess Gerritsen. Fora do género policial, adoro os livros da Alice Vieira, José Luis Peixoto, Eça de Queiroz, Sophia de Mello Breyner, entre outros.
Além das referências literárias, quais são as suas fontes de inspiração para criar narrativas complexas e cativantes?
A vida, no geral, é uma fonte de inspiração infinita. Situações que vivi e que assisti, pessoas que conheço, histórias que me contaram, a tudo isso vou buscar elementos para os meus livros. Conversas que ouço na rua, em cafés, transportes públicos, são também outra fonte de inspiração. Ouvir e observar como as pessoas se comportam, como interagem uns com os outros, é um processo fascinante e muito útil para criar personagens com texturas.
Os escritores ganham muita coisa se estiverem atentos ao que os rodeia. Por isso é que cada vez sou mais desligado do telemóvel, rouba-nos a atenção e o foco de tanta coisa importante.
Ao longo dos seus livros, o Inspector Bruno tem evoluído como personagem. Como é trabalhar o desenvolvimento dos personagens ao longo de uma série de livros e como isso afecta a narrativa dos seus thrillers?
É muito interessante porque as personagens acabam por revelar facetas diferentes. O Bruno – “o meu inspetor”, como lhe chamo nos meus apontamentos – tem vivido muita coisa nestes três livros e sofrido alguns golpes, mas acabo por também mostrar a sua resiliência, perspicácia e capacidade de empatia. Desde o primeiro livro que tive uma consciência muito clara daquilo que queria mostrar com esta personagem: que um homem não precisa de ser brutamontes e agressivo para ser um bom inspetor da Polícia Judiciária. O Bruno tem a firmeza e determinação necessárias a essa profissão, mas também consegue agir com sensibilidade e bom senso.
No próximo livro, que sairá em 2024, a personagem vai atravessar muita coisa difícil e revelar facetas bastante interessantes.
Como é a sua relação com os personagens que cria nos seus livros? Existe algum personagem em particular que tenha um significado especial para si?
É uma relação muito curiosa, alguns são muito reais para mim, sinto que eles existem mesmo para além das páginas. Consigo visualizá-los com nitidez, ouvir a voz deles exatamente como soa, é muito interessante esta ligação com as personagens que crio.
O Bruno tem um significado importante, claro, mas faço sempre questão de dizer que ele não é um reflexo daquilo que eu sou. Temos algumas características em comum, sim, mas não é um prolongamento de mim próprio. Acho que praticamente todas as personagens têm algo de mim, por mais ínfimo que seja.
A Maria Adelaide, do Crime na Quinta das Lágrimas, é uma das minhas personagens preferidas. Ri-me muito com várias frases que ela diz. E é engraçado, porque quando planeei o livro, ela era uma personagem bastante secundária. Mas, durante a escrita, acabou por ganhar muito destaque na história, tendo bastante mais interveniência do que defini inicialmente.
Deixou os leitores bastantes ansiosos entre o segundo e o terceiro livro. Como lida com o desafio de manter os leitores envolvidos e surpreendidos ao longo das histórias, especialmente quando já tem vários livros publicados?
Isso é mesmo um desafio. Voltamos ao mesmo tema de há pouco: faço com que as histórias não sejam previsíveis, crio reviravoltas, mas analiso sempre muito bem se elas são credíveis ou não. Num policial, se a reviravolta for irreal, perde todo o impacto. O leitor em vez de dizer “Uau! Como assim?! Não estava nada à espera”, passa a dizer “Isto é impossível… Nunca aconteceria na vida real”.
Pode desvendar-nos alguns dos seus projectos literários futuros? Disse numa entrevista que tem já planeados 7 livros.
Ora bem, estou a escrever o quarto livro, que saíra em 2024. Tenho planeados pelo menos mais três ou quatro com esta personagem principal, mas acho que até serão mais.
Publicaram agora na imprensa o meu primeiro artigo de opinião, e tenho mais assuntos que gostava de explorar, pelo que adoraria colaborar de forma regular nalgum meio de comunicação.
Há também uma ideia para uma série policial de televisão, mas que está muito no início do planeamento.
Para além dos thrillers, há algum tema específico que gostaria de explorar nos seus futuros livros, relacionado com a realidade social ou cultural do nosso país?
Acho que haverá uma altura, daqui a uns anos, em que quererei fazer uma pausa dos policiais e escrever outro género literário. O mais provável é ser um romance contemporâneo sobre as relações amorosas na atualidade. Acho um tema tão fértil, tão rico, com tanta coisa para explorar…
Como tem sido a sua experiência no mercado literário português, especialmente no que diz respeito ao género thriller? Quais são os desafios e oportunidades para os escritores deste género em Portugal?
Tem sido maravilhosa! Fico de coração cheio com a quantidade de mensagens e comentários que continuo a receber diariamente nas redes sociais. Tenho recebido mensagens que me deixaram profundamente comovido e motivado para continuar a escrever. A generosidade e carinho com que as pessoas falam dos meus livros deixa-me muito feliz. Sem contar com a escrita em si, nada me dá mais prazer do que conversar com os leitores. E é incrível o apoio e destaque que os criadores de conteúdos têm dado aos autores portugueses, são uma parte importantíssima da divulgação dos nossos livros.
Creio que o maior desafio para os escritores portugueses é o preconceito que muita gente ainda tem em relação aos livros nacionais. Várias pessoas continuam a considerar que o que vem de lá de fora é sempre melhor do que o que fazemos cá dentro, seja nos livros, filmes, séries. Mas, felizmente, este preconceito tem vindo a descrescer.
Uma excelente oportunidade: o facto de haver muito poucos autores portugueses a escrever policiais.
Qual a importância do feedback dos leitores no seu trabalho? Como é lidar com as expectativas dos seus leitores à medida que a sua popularidade como escritor cresce? Isso afecta a forma como aborda a escrita dos seus novos livros?
Gosto sempre de ouvir o feedback dos leitores e perceber o que gostaram mais nas histórias, com que personagem se identificaram mais ou tiveram mais empatia, se identificaram o assassino antes da polícia, etc.
Há uma consciência que me acompanha desde o início e que vem desde os tempos da escola de teatro: nenhum artista é consensual. Por muito bom ator ou escritor que sejas, haverá sempre alguém que não vai gostar do teu trabalho – e está tudo bem, isso faz parte da vida. O mais importante é não ficar desmotivado quando chega uma crítica negativa, e não ficar deslumbrado quando chegam as críticas positivas.
Do segundo para o terceiro comecei a sentir mais expectativa por parte das pessoas, mas agora desde que o terceiro saiu, essa expectativa aumentou exponencialmente! Faço por não pensar nisso, para não ficar nervoso nem ansioso. Há uma garantia que eu tenho e que me dá muita tranquilidade: mesmo que as pessoas não gostem dos próximos livros, tenho a certeza de que a minha família vai adorar. Sei que não são os leitores mais imparciais, mas não faz mal (risos).
Os thrillers abordam questões sociais e reflexões sobre a natureza humana. De que forma procura incorporar esses elementos nas suas histórias e despertar a consciência dos leitores?
Integro esses elementos com a maior naturalidade. Por exemplo, em todos os meus livros há personagens homossexuais, bissexuais e heterossexuais, porque todas elas existem no nosso quotidiano. Outro exemplo, nunca referi a cor de pele de nenhuma personagem, porque quero que cada leitor tenha a liberdade de imaginar a cor que quiser.
Quando planeio cada livro, escolho algumas reflexões sobre a natureza humana para incluir na história. Temas que considero pertinentes e que espero que despertem a empatia e respeito pelas diferenças. Há pessoas que continuam a viver numa bolha muito fechada e não têm sensibilidade nem empatia para perceber que somos todos diferentes e que não temos todos de seguir o mesmo padrão. Ainda bem que não somos todos iguais! A beleza da vida reside nisso mesmo, na diversidade do ser humano.
Além da escrita, possui outros projetos ou ambições? Poderia contar-nos um pouco sobre eles?
Para além da escrita, sou também professor de teatro. Tenho a ambição de conseguir viver da escrita e estou a trabalhar para que isso aconteça no prazo de 10 anos, quando fizer 40.
Acho que nessa altura me vai apetecer deixar de dar aulas de teatro e canalizar o meu tempo apenas para a escrita. Também gostava que nesse espaço de tempo se adaptassem os meus livros para filmes ou minisséries, adoraria ver estas histórias no ecrã.
Confesso que tenho algumas saudades de representar, também. Espero voltar a trabalhar como ator num futuro próximo.
Por fim, quais conselhos daria a outros aspirantes a escritores que desejam ingressar no género policial?
Conselhos? Desistam já! (risos). Estou a brincar. Não desistam, sejam persistentes. Sei que é isto que toda a gente diz, mas é mesmo verdade. Se nós insistirmos, insistirmos, continuarmos a bater às portas mesmo quando ouvimos “não”, as coisas vão acontecer. Garanto.
Leiam muito e analisem aquilo que lêem. Percebam o que é que resulta nos livros, o que é que vos prende à história e vos faz ler página atrás de página. Pratiquem a escrita com pequenos textos ou contos. E descubram a vossa voz enquanto escritores. O que é que vos distingue dos outros, qual é a vossa marca diferenciadora.
Peguem em livros de vários escritores e identifiquem que tipo de policial querem escrever. Um mistério do tipo da Agatha Christie? Uma narrativa de espionagem e intriga internacional do tipo do Daniel Silva ou Dan Brown? Um thriller mais pesado do tipo do Jo Nesbo ou MJ Arlidge? Há muitas opções e todas são válidas, descubram com qual se identificam mais e boa escrita!
É possível adquirir o mais recente livro de Lourenço Seruya, na página do Grupo Infinito Particular.
Boas leituras.