“Aquele que abre a porta de uma escola, fecha a de uma prisão”
(Victor Hugo)
Kafka dizia que “existe um ponto de chegada, mas nenhum caminho”. Eis a minha questão: é por aqui o caminho, se o há? Não estaremos a dar tiros nos pés ou a tornar os passos trôpegos e tropeçados? Seja como for, os alunos e os professores têm sido guerreiros. E, como tal, “o espírito do guerreiro não pode ser quebrado”!
Segundo Pio Cinquetti, “a criança tem uma exigência vital, absoluta, de inventar, de experimentar, de construir, de explorar, de ter amizades, de tentar experiências novas” (em «A arte de educar»). Ou, como aprofunda Michel Lobrot, a escola – aliada à cultura – é «o destino do humanismo», é e tem de ser mais do que “transformar-se numa máquina de entrega de diplomas”. Toda esta transmissão de conhecimentos só é possível na Escola, ora na sala de aula ora no recreio, mas juntos. Melhor é impossível. Até para evitar, e ter-se em conta, o que Eduardo Sá alertou: “nem a família é uma escola nem os pais são professores”. Ou, dito de outra forma e recuando a uma expressão milenar, “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, separando a educação do ensino ou instrução, que são díspares! Como escrevia Renan, “o essencial na educação não é a doutrina ensinada, é o despertar”.
Desensino à Distância
Não é querer contra remar, mas abordarei o que tenho estado a notar neste meu «revistar por dentro». Manifesto-me crítico em razão dos factos atuais e nem toda a crítica é negativa! Portanto, não sou apologista deste modelo, não modelar, adjacente aos ensinos básico e secundário. Nada contra o chamado e-learning em formações e no (pós)universitário, que é diferente.
Defendia – antes do anúncio ministerial a 9 de maio – duas situações possíveis que não esta atual: ou tinha-se terminado o ano letivo no final do 2.º período e o próximo ano começaria mais cedo (sei que colidiria e transtornaria as férias grandes dos pais, mas este já é um ano excecionalmente sui generis e é!) ou a escola física retomaria para todos – por igual – em junho e até meio de julho. Era e é a minha opinião, apesar de, por vezes, me interrogar em atribulado dilema…
Por um lado, o regresso à escola, porque ela para isso serve e existe: nada substitui nem supera o ensino presencial, olhos nos olhos. Mesmo agora, com as devidas precauções e restrições. “Às três pancadas”, é desensino! Sabemos que o risco é geral, mesmo no tentar minimizar a situação. Contudo, educar e ensinar também são um risco. Todavia, não se pode deixar de fazê-lo, nos lugares próprios. Adequados.
Já agora, outra questão: primeiro, constou-se que os mais novos não seriam prováveis transmissores do vírus. Depois, seguiram-se dois estudos afirmando precisamente o contrário. Em que ficamos?… Estas dúvidas não ajudam a esclarecer nem a dissipar os medos instalados.
Por outro lado, sinto que o receio e a insegurança são ainda enormes. Mesmo para os cientistas, que adivinham – para breve? – uma segunda vaga. O “ficar em casa” sucessivamente é como espada de dois gumes: o ganharmos no não contágio dum vírus, atrasando mecanismos de defesa ao nosso sistema imunitário, e o perdermos noutras formas de saúde (psíquica, emocional e física)… Como desembaraçar tal desconchavo?!
Eis, então, vários inconvenientes neste modo digital, de 3.º período não presencial, para “passar o tempo”…
:: é discriminatório: ainda nem todos os alunos têm acesso/meios para aceder às ditas aulas online;
:: vêem-se, por vezes, pais a circundar os alunos e/ou a falar com eles durante a pseudo-aula, tendo sido já divulgada, algures, uma situação de discussão entre pais “ao vivo e a cores” – nem quero imaginar a sombria humilhação daquela criança. Isto não pode ser, é bastante grave!;
:: já aconteceu dirigir-me a um aluno para o saudar – tinha entrado entretanto na videochamada (mas câmera tapada) – e deparo-me com a mãe a falar comigo, meio exaltada, porque o filho não trabalhava. Queria saber o que fazer, como fazer, com ele;
:: há alguns alunos supostamente presentes com a câmara desligada, ficando a sensação de vazio – chamas por eles e não te respondem, porque já não estão, foram apenas “picar o ponto” (e, depois, sabes que estão no Instagram), já para não referir a estranheza de falares para um ecrã sem rosto;
:: a regra do microfone desligado não é respeitada por todos os alunos, ficando uma tremenda desordem e confusão quando decidem falar ao mesmo tempo (também há, verdade seja dita e maioritariamente, quem cumpre exemplarmente, até aqueles alunos que em sala de aula eram irrequietos e perturbadores estão a comportar-se muito bem);
:: nesta questão do som, já aconteceu – mais que uma vez – ninguém se conseguir ouvir porque a tv/rádio de um dos alunos estava ligada e altíssima!;
:: um aluno que a meio da sessão levanta-se e vai buscar o seu cão para colocá-lo ao colo. Se isto fosse uma sessão fotográfica ou multimédia até ficava bonito, mas pressupõe-se que seja uma ‘aula’ (mesmo que não normal). Resultado: quebrou tudo – alunos reagiram e se distraíram e, interrompendo de vez o professor, traíram aquele tempo de enviesada aula;
:: este meio analógico (e ilógico para o efeito) tem inibido muitos alunos: não participam quase nada ou tanto como o faziam em sala de aula, propícia à propensa interatividade e à eumatia, com naturalidade;
:: os alunos têm-se queixado dum maior número de tarefas e trabalhos a realizar para as disciplinas, do que quando estavam na escola;
:: há quem avance na matéria, dado o atraso ocorrido e só para cumprir programa, sabendo-se haver alunos a retroceder, a não conseguir acompanhar;
:: já para não entrar no facto de, nos últimos dois meses, as crianças estarem com muito mais dificuldade em dormir, com o sono feito pesadelo, e com demais alunos jovens são os que – ultimamente – mais têm recorrido ao apoio psicológico do SNS;
E quantos mais relatos haverão a acrescentar a estes… Assim, não dá!
Por último, um outro obstáculo que me preocupa particularmente… Sinto que o COVID veio descredibilizar e impugnar tudo aquilo que, como professor, tenho ensinado aos meus alunos: “deveis privilegiar o real ao virtual; optar pelo encontro convivial com os amigos, que pelo desencontro impessoal dos chats e algumas “chatices” da internet; alimentar os sentimentos positivos com «festinhas ao ego» e outras dinâmicas interpessoais”. Sinto-me impotente ao ver que um microrganismo invisível vem distorcer e inverter esse ideal. Este sentido moral, do bem – e cada vez mais desmoralizado – conquista-se nessa linha. “A escola é a única alavanca capaz de elevar o povo ao nível da moral” (Guerra Junqueiro).
Já não bastavam alguns parasitas na nossa vida, para chegar mais este e desmoronar tanto do que já construímos juntos. E, também, fazer-nos refletir e abrandar no que já destruímos (nas relações humanas, na natureza, etc.), a fim de não se repetirem os mesmos erros.
Opiniões de Alunos
Como se pode observar, através de expressões do que lhes vai na alma, muitos alunos – que não só estes, da Esc. Sec. de Vilela, cujos registos (gravados em vídeo) colhi e aqui semeio – estão tristes, saturados, sem mais saber o que fazer, cansados do online, preferindo a escola! Não vão ao encontro do que tenho lido de alguns pais e profissionais quando referem que as crianças “não aguentariam tanto tempo com a máscara”. Nenhuma delas me falou nisso, o que elas não aguentam verdadeiramente é estar sem os amigos, privadas de quase tudo e quase todos!…
– Afonso Silva (5.º ano): “Neste momento, encontro-me em casa por causa do COVID-19. É bom estar em casa, porque convivemos mais com os nossos pais e irmãos mas, por outro lado, é chato porque não podemos ir à escola, não convivemos com os nossos amigos nem com os professores. Vamos ficar todos bem.”
– Ana Filipa (5.º ano): “Vou falar um bocado sobra a minha quarentena. Eu estou a gostar bastante das aulas online, mas é óbvio que preferia estar a conviver com os meus amigos. Como sabem todos, neste momento, isso não é possível. Às vezes sinto-me um bocado entediada mas com isto da escola não é possível – são aulas online, são muitos trabalhos e muitas aulas. Quero passar a mensagem a todos os portugueses de que vai ficar tudo bem.”
– Carlos Daniel (5.º ano): “Já tenho muitas saudades da escola, dos meus amigos e de poder ir à rua, sem medo. Se eu pudesse, arranjava uma vacina grátis para todos e fazia com que ninguém passasse por dificuldades. Tenho a certeza de que nos vamos voltar a encontrar todos, um dia destes.”
– Filipa Dias (5.º ano): “Estar tanto tempo em casa torna-se limitador, pois não podemos apanhar sol ou brincar ao ar livre quando está bom tempo. Agora, que tenho mais tempo livre, gosto de jogar jogos tabuleiro em família e de ler. Ter aulas online é uma nova aventura em que somos todos navegantes de primeira viagem. Se fosse possível, claro que gostaria de voltar a ter aulas presenciais! Sinto muita falta dos meus amigos e familiares que vivem longe, uma vez que apenas podemos falar por videochamada.”
– Francisco Ferraz (8.º ano): “Gostaria de incentivar todas as pessoas a ficar em casa de quarentena e isolamento social. Alegres e com toda a paciência do mundo para que, em conjunto, possamos passar esta pandemia rapidamente e em segurança. Eu respeito as normas de segurança e mantenho-me ativo. Espero que todos façam o mesmo, cada um em suas casas.”
– Inês Mendes (5.º ano): “Tenho estado em isolamento social e não é assim tão mau. Eu descobri algumas coisas de que gosto enquanto estou em casa. Tenho gostado das aulas online, mas preferia ter aulas presenciais, na escola. Sinto falta dos meus amigos e professores. E tenho sempre a esperança de que vamos todos ficar bem.”
– Lara Miranda (5.º ano): “Hoje vou dizer-vos o que sinto. Sinto tristeza. De quê? De não ir ao parque, de não comer gelado, de não ir às compras e de não ir jantar, sobretudo com a minha família.”
– Lara Sousa (5.º ano): “Ando muito triste por tudo isto que está a acontecer no mundo. Sinto a falta dos meus colegas e professores. Sinceramente, prefiro as aulas na escola do que virtuais.”
– Leonor Ferreira (5.º ano): “Que lindo dia! Vocês aí? Olá. Vou contar-vos um pouco como tenho passado este isolamento social. Primeira coisa quando acordo, eu venho lavar os dentes e tratar da minha higiene pessoal. A segunda coisa que eu faço é lavar a minha cara para limpar toda a sujidade. Agora vou-me vestir! Aproveitei e também dei um jeito à minha cama. Agora, vem comigo assistir à aula por videochamada. Depois, estou à espera do almoço e espero que vocês estejam a gostar. Em seguida, vou passear a minha cadela e andar de bicicleta. Divirto-me muito com a minha cadela e também tenho passado assim os meus dias: a jogar jogos e estar mais tempo com a família, porque o meu pai e a minha mãe trabalham muito e estão em quarentena comigo. E também vejo televisão, várias coisas.”
– Leonor Gonçalves (5.º ano): “A minha quarentena está a ser chata por não ver os meus amigos e familiares. Tenho muitas saudades deles e da escola. Nós parecemos animais enjaulados, em que podemos apenas sair de casa em situações de emergência, mantendo a distância. Não dá para dar uma palavra amiga, um abraço, um carinho, um beijo… Mas, se todos contribuirmos, vamos ultrapassar isto depressa. Temos todos de cumprir as regras.”
– Leonor Teixeira (5.º ano): “Acho esta situação muito triste para cada um de nós e acho que cada um de nós sente uma tristeza dentro de si. Mas também temos de ver o lado bom desta história. Podemos estar juntos de quem mais gostamos e das pessoas de quem mais amamos. Por isso façam a vossa parte que eu faço a minha. Se todos nos fizermos a nossa parte, juntos vamos conseguir!”
– Luciana Silva (5.º ano): “Ter aulas online é um método de estudo diferente. As aulas em casa são diferentes e, também, cansativas. Aprendi coisas novas, como por exemplo: a trabalhar melhor no computador. Mas, mesmo assim, preferia ir para a escola ter aulas presenciais e iria estar com os meus amigos. E com o covid-19 já não podemos conviver uns com os outros
– Mariana Nogueira (5.º ano): “Já estou de quarentena há quase dois meses. Eu tenho tido algumas aulas online, neste período, mas sempre prefiro a escola. Eu sinto falta dos meus professores como dos meus amigos mas, neste momento, o mais seguro é ficar em casa para nos protegermos. A nós e aos outros”.
– Naísa Silva (5.º ano): “Este período de isolamento social impediu-me de comemorar o meu aniversário com a minha família e os meus amigos que eu tanto ansiava. Tenho dedicado este tempo a ver séries, a brincar com a minha irmã e a jogar jogos com os meus pais. As aulas online são uma experiência bastante diferente, um pouco complicada mas muito desafiante. Gosto de estar em casa, sinto-me confortável, mas tenho muitas saudades dos meus familiares, amigos e professores.”
– Pedro Sousa (5.º ano): “Eu tenho andado em isolamento e é muito mau, porque não tenho quase nada para fazer. Ando a aprender coisas que não sabia e que são muito fixes. Tenho tido aulas digitais, mas preferia aulas na escola. Tenho a certezinha «absolutinha» que toda a gente vai ficar bem.”
– Tiago Sousa (5.º ano): “Estamos a viver um momento difícil, porque não podemos estar perto de quem gostamos. É preciso ter fé e esperança, para em breve estarmos todos juntos. Tudo vai ficar bem.”
Mais Contrassensos: Creches e ATL
Para além de me parecer precoce a abertura das creches a 18 de maio (e não só a mim: sei de inúmeros pais que ainda não vão levar os filhos até ao fim do mês), as medidas lançadas pela DGS afiguram-se impossíveis de aplicar em muitas delas. Vejamos alguns aspetos sem contextualização, sem nexo nem conexão de quem as tomou. Não basta atirar medidas para o ar, é preciso conhecer de antemão a realidade in loco, saber se são viáveis e perceber o trabalho que se desenvolve em creche e em jardim-de-infância (pré-escolar). Só assim se terá noção de que a creche não é um depósito e que ela é contacto físico, é afeto, é carinho.
:: o tempo de serviço em creche não é contabilizado mas, de repente, graças ao “milagre covid” e vede: as educadoras e pessoal não docente desta valência passaram a ser designadas «trabalhadores de serviços essenciais»;
:: como criar distanciamento de dois metros em crianças que precisam de colo? Como mudar uma fralda a uma criança com essa distância? Como receber uma criança que não anda?;
:: mesas viradas para o mesmo sentido, quando a maior parte das creches têm mesas circulares, tanto na sala de atividades como no refeitório. Como se cumpre este ponto? O Estado vai comprar e oferecer essas mesas?;
:: «brinquedos intransmissíveis»? Como? Se umas das principais aprendizagens na creche é a partilha. Tentar explicar a um bebé que já não pode partilhar é um absurdo;
:: «catres e camas com dois metros distanciais»: vão dividir-se em grupos, quando há creches que não têm nem pessoal suficiente para uma supervisão adequada nem têm espaço físico para essa separação;
:: criação de turnos para almoço e sesta, das 10h às 15h: vai obrigar-se os bebés que calhem nos turnos das extremidades a comerem tão cedo ou tão tarde?!;
:: os ATL vão abrir em junho: que sentido faz quando do 1.º ao 3.º ciclo os alunos continuarão sem ir à escola: então podem sair para uma coisa, aglomerando-se, e não podem sair para outra?…
Em todas estas medidas, entre outras – do desensino à distância às creches –, ressoa no fundo uma descompostura, tal qual a sabedoria popular: “uma no cravo e outra na ferradura”…
Conclusão
Da Criança ao Jovem, toda a sua atividade é norteada pela afetividade. Truncar isto com a ausência prolongada da escola ativa, efetiva e integrativa é desajustar a natural essência e efervescência dos alunos – sobretudo nessa crucial idade – e desequilibrar o vínculo pedagógico-educativo da escolaridade. A prevenção da saúde e proteção dos alunos (e professores) é fundamental, porém, este outro lado humano relacional – tão primordial – está a ser severamente implicado. Sem proximidade, deveras manietado. Sem afetos, taciturnamente afetado. Há que repensar o futuro neste presente, sem adiar! Para que seja melhor a vida discente e docente. Familiar. De toda a gente! Preparar já, «de mangas arregaçadas», o próximo ano letivo.
Já agora, retórico: e se a virose se prolongar, vamos continuar toda a vida em casa sem nos adaptarmos e aprendermos com a nova realidade que duramente se nos impõe?! Para já compreende-se e aceita-se a prevenção: é sinal de respeito coletivo o cumprimento geral. Mas continuar assim, para lá de setembro, não é nem será sustentável… Já para não realçar que permanecermos trancados neste medo não é solução: a vida tem de continuar. Não estamos habituados a isto, ninguém está, mas o hábito adquire-se, com cuidado(s): «o hábito faz o monge». Não podemos ficar à espera da vacina que, até se efetivar e ser um direito a todos, irá demorar. Além de que risco existe sempre e – como já é sabido – quer se saia ou não de casa, pode-se estar infetado sem sintomas, sem saber, e ser portador… Esta é que é a questão, na aflição de não haver forma de os agregados familiares se testarem regularmente para despistar e regularizar a situação! Termino com T. Sowell: “Demasiado do que é chamado educação não é mais do que um dispendioso isolamento da realidade”.