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Impressões do Caminho de Santiago

Para o António, a Bárbara, a Gui,

a Lena, a Lu, a Sandra e a Vanda G.…

… e também para a Vanda A. e a Liliana,

o Jorge, a Patrícia e a Ângela,

o Carlos, a Cláudia, o Pinheiro,

o Andreas, a Rose e a Lidicimar

Que o Caminho nunca acabe

Ao contrário do que aconteceu no ano passado, em que comecei a escrever um diário de Santiago meses antes da partida, desta vez havia decidido não levar “preocupações literárias” na bagagem. Há um ano, aquando do meu primeiro Caminho de Santiago – cerca de 120 kms pelo Caminho Central Português com partida de Valença – a escrita do diário foi tomando conta de mim e, entre pontos assinalados no mapa, carimbos na credencial testemunhando os locais por onde fomos passando e um sem número de notas que fui registando no telemóvel, a redacção estendeu-se por mais de setenta e cinco páginas! Deu-me um prazer enorme registar recantos, pensamentos e recantos de pensamentos.

Decidi fazer o Caminho mais porque sim do que por qualquer outro motivo “maior”, fosse ele religioso, espiritual, desportivo, aventureiro, etc… Com a aproximação do momento, a vontade foi-se dissolvendo e foi a custo que coloquei os pertences na mochila, passava das três da manhã da véspera da partida…

No entanto, sem saber explicar como, quando ou porquê, o Caminho foi-me seduzindo e o primeiro Caminho de Santiago tornou-se numa das experiências mais bonitas da minha vida. Uma vez que este sentimento foi partilhado com Sandra e com a Patrícia, companheiras de Caminho, e com aqueles que fomos conhecendo à medida que nos aproximávamos da Praça do Obradoiro (nunca sentimos o mesmo mas em todos nós desperta qualquer coisa especial), julgo poder dizer que algo nos faz sentir bem quando fazemos o Caminho. Decerto que nem todos gostarão, mas dificilmente permanecemos indiferentes à passagem pelo Caminho.

◌ ◌ ◌

Tinha a certeza de que este ano voltaria, agora sem a surpresa das primeiras vezes mas com a convicção de que queria apenas disfrutar. Por isso parti mais leve para Ponte de Lima (160 kms também no Caminho Central, para “abraçar” a serra da Labruja) e deixei a escrita repousar em casa… até chegar a Rubiães, o destino do primeiro dia, e sentir aquele impulso obsessivo que me levou a procurar o verso dos bilhetes de autocarro e começar a escrever… escrever à mão custa mais do que o desábito!

Em Valença, com o papel a acabar, parámos num café e, enquanto esperávamos pelos cinco que ali se juntariam a nós (começámos três e terminámos oito), pedi duas toalhas de papel que completariam o diário de Santiago deste ano: frente e verso que fui obrigado a dobrar e ordenar para não me perder no momento de chegar a casa e descodificar os hieróglifos pela ordem certa. Não que tal fosse imperioso pois as palavras que fui deixando deslizar para o papel reflectiam apenas o momento, o que fui sentindo, sem ordem nem acontecimentos, sem descrições detalhadas dos lugares, dos meus companheiros de Caminho ou de quem fomos encontrando. Se alterasse a ordem não se perderia tudo.

Para o ano voltarei ao Caminho e pretendo regressar todos os anos enquanto puder e fizer sentido, esse sentido que não consigo explicar a não ser a alguém que já tenha o percorrido, isto sem sombra de sobranceria: se eu tivesse lido estas palavras antes da minha partida no ano passado, teria dito “Está bem! Mais um com a mania das experiências que mudam a vida!”. O Caminho não transformou a minha vida por completo nem serve de exemplo para muito do que vivemos fora dele, apesar de tentarmos sempre esgravatar lições que ficam bem como corolário de qualquer experiência. Apanhei sempre a boleia da vida a cada regresso. Contudo, algo mudou, algo que pode durar mais ou menos tempo, assim nos deixemos imbuir pelo espirito de leveza que o Caminho planta em nós. Só posso desejar que o Caminho nunca acabe porque tem sido para mim o acontecimento mais capaz de restabelecer a força e o bem-estar que por vezes a rotina nos rouba para nos distrair de nós mesmos.

António V. Dias

Caparide, segunda-feira, 5 de Agosto de 2019

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