Henry Kissinger foi uma figura pública como na realidade já não existem mais. Os seus feitos e actos garantem-lhe um lugar nos escritos da história da humanidade, contudo e para infortúnio da própria humanidade, Kissinger foi o precursor do terrorismo, da violência e da morte.
Contudo, não devemos simplesmente menosprezar o intelecto e a astúcia que ele possuía. A sua visão anti-humanista do mundo é algo que o mesmo esclareceu, de forma clarividente e estruturada, em três das suas obras: Da China, A Ordem Mundial e Liderança. Nestes três volumes, podemos vestir a pele e entrar nos pensamentos profundos que demarcaram a sua forma de agir e actuar no plano político e estratégico mundial.
Li duas das três obras citadas (Da China e A Ordem Mundial). Mais importante do que se encontra vertido a tinta preta nas páginas dessas obras são as suas convicções, os seus pensamentos e, no fundo, aquilo que mais me agradou foi o seu conhecimento profundo da história do mundo, o mesmo mundo que Kissinger entendeu, manipulou e modificou na maioria dos casos. Kissinger foi o mais proeminente líder da política externa americana e conseguiu-o pelo intelecto e pela sagacidade do seu conhecimento profundo.
Da China é uma viagem em primeira mão, desde o tempo fundacional do império chinês, dos quatro reinos debaixo dos céus, à China imperial e terminando na China comunista de Mao, com uma leve introdução ao comunismo moderno de Hu Jintao. Simultaneamente, Kissinger relata o percurso político e económico que o mesmo desenhou para a relação sino-americana, culminando nos encontros entre Nixon e Mao e, mais importante ainda, entre Nixon e Zhou Enlay. Nesta obra, somos confrontados com o frágil balanço de poderes no mundo, com a triangulação EUA-China-URSS e a visão do unipolarismo mundial do autor, subjugando a China ao poder económico e militar americano, enfraquecendo a aliança sino-soviética. A importância de Taiwan no domínio americano do Indo-Pacifico, a guerra pela supremacia americana no Vietname e a guerra perpétua sino-indiana. Kissinger fornece uma visão ampla e esclarecedora do poder da diplomacia.
Na sua obra A Ordem Mundial, Kissinger desenha literalmente a política externa americana, servindo-se da Paz de Vestfália para erigir a Pax Americana. É notório o seu profundo conhecimento histórico das nações que pretendia (e assim o fez) dominar, algo que o seu sucessor no conselho de segurança americano (Brzezinski) melhoraria e implementaria.
Através das suas obras, é possível, acima de tudo, perceber a sua máxima: “Ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal.”
Com a sua morte, termina também um ciclo de hegemonia mundial. Fica o legado, a história e os crimes por julgar.