Guernica

Picasso, o homem que teve a ousadia de distorcer as formas e enveredar pela corrente que será apelidada de cubismo, sabia como se expressar. Entre polémicas e chamadas de atenção, legou-nos “Guernica”, um quadro que não passa despercebido pela mensagem que quer transmitir.

Esta obra é emblemática sendo essencial que se conheça o contexto histórico para a melhor entender. Espanha vivia uma guerra civil, a oposição entre os Republicanos e os Nacionalistas, liderados por Francisco Franco. Estes tinham o apoio do exército nazi, sendo uma espécie de ensaio geral para a guerra que se avizinhava. Muitas armas foram testadas, assim como algumas novas técnicas foram usadas.

O preto e o branco, as cores dominantes, ou ausência delas, servem para intensificar o drama causado pelo bombardeamento que aquela cidade sofreu. O cavalo e o touro são os elementos mais populares da cultura espanhola e teriam de ser, obrigatoriamente, representados. É a própria cultura que fica devastada, os ideais completamente destruídos.

Há um soldado morto no chão, uma mãe que chora a morte de um filho, que está nos seus braços, uma outra mulher em pleno desespero enquanto a sua casa, o seu lar, é destruído pelas chamas, uma mulher, ferida, tenta fugir de todo aquele caos, em desespero e ainda outra que tem uma luz que marca ainda mais o sofrimento estampado nos rostos de todos.

A vela pode ser considerada um símbolo de esperança, a luz que tanto desejavam assim como a lâmpada se equiparar a um olho que tudo vê, mesmo que não esteja presente. O cavalo é a dor, a imensa dor que ficou espalhada após o ataque e que se perpetuou até hoje. A surpresa do horror, da desgraça e da marca indelével toca fundo quem olha para a tela. É uma testemunha de que o homem é capaz de fazer ao seu semelhante.

É de salientar que alguns elementos parecem conter algo escrito e percebemos que foi assim que o autor soube do ataque, através de uma notícia de jornal uma vez que estava em França aquando do mesmo. A espada será, com toda a certeza, o símbolo da derrota do povo, já que está partida e toda a destruição mostra o que foi a guerra civil.

Era segunda feira, o dia da feira na localidade. As pessoas vinham aos seus afazeres e as estreitas ruas estavam cheias de camponeses que queriam vender os seus produtos. Eram cinco da tarde quando os sinos tocaram. Ataque aéreo. Os aviões largaram as bombas sobre a pequena cidade e durante mais de duas horas foi o inferno total. Um cenário dantesco e mórbido.

Os que tentaram escapar foram metralhados e rapidamente chacinados. Contabilizaram-se 1654 mortos e 889 feridos numa população bem reduzida, pouco mais de 7000 habitantes. Nada escapou e o poder de 30 toneladas de bombas, largadas por 40 aviões, deixou um rasto de destruição e morte.

Fica assim tristemente celebrizado o dia 26 de Abril de 1937, onde uma pequena cidade basca é humilhada com a dramática e fatal experiência das novas armas que seriam usadas, com mestria, na II guerra mundial. Um ensaio geral que nunca deverá ser apagado e que funcionou na perfeição.

Para memória futura resta a árvore que foi testemunha silenciosa dos acontecimentos. Um resto, uma vivência que não pode partilhar em sonoro, mas que tudo diz, uma marca que será de todos, indelével e dorida. Um dia, uma guerra, uma dor coletiva, uma usurpação de dignidade que jamais será reposta, uma mancha histórica perpétua.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Ponto final

Next Post

Mudar de país não significa apenas mudar de casa

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Amar deserto – parte I

A solidão revelava-se perversa para ele e para ela. Janel tinha por hábito mergulhar na cadeira por detrás do…

Desejo

Era cedo. Muito cedo, mas a ânsia de estar com ela não o deixava dormir. Uma sensação nova e tão forte que até o…

A MODA

A definição de artes maiores vs artes menores sempre foi uma coisa que me fez muita confusão. Os puristas da…

Debaixo de algum céu

Debaixo de algum céu ganhou o prémio Leya 2012. E eu consigo perceber porquê. É, acima de tudo, um livro mesmo…