A frase do título foi escrita por Alexandre O’ Neill.
Este texto foi escrito por mim nos idos 1997, por isso todos os acontecimentos remontam a essa data.
Existem várias questões que se me propõem ao ler esta frase de Alexandre O’ Neill, esta frase talvez célebre, talvez incógnita.
Este é o mundo comunicável, ou seja, da comunicabilidade. O mundo das pessoas que não se escondem por detrás de perguntas que concretizam sabendo desde já a resposta, ou querendo obter uma resposta, a qual já sabem.
O mundo das palavras, um mundo que de tão bonito, até assusta. O belo amedronta-nos.
Perguntar pode também ser duvidar. Duvidar e tentar compreender algo que não se sabe, mesmo sem tudo perceber.
“Gosto de quem responde antes de perguntar…“, pressupõe que o indivíduo aprecia as respostas que não são antecipadamente perguntadas.
Penso que encontrei uma das poucas pessoas que o faz para o povo Português, alguém que na sua existência faz o esforço com pleno prazer de responder a muitas das perguntas que há tanto tempo precisavam de resposta, mas que ninguém teve a coragem de perguntar.
Assim… na minha pequena, ilustre e minúscula existência, fiz a ligação da frase de Alexandre O’ Neill, talvez absurda para uns, talvez grandiosa para outros, a uma música muito peculiar, que desde o primeiro momento me inquietou, de José Mário Branco, intitulada de “FMI”.
Considero que este particular texto, em jeito de pedido, de oração (não na vertente da religiosidade, claro!), talvez de clemência; a tudo responde, talvez não a tudo, mas a tudo com certeza relacionado com a liberdade / censura da expressão do próprio. Enfim, com o 25 de Abril.
O dia da liberdade. Dia dos direitos e não somente dos deveres. Dia em que todos nos devemos sentir livres e gozar essa liberdade, única, mas não, nunca irreflectidamente.
Talvez, e honestamente, por ter ficado absolutamente maravilhada tanto com a leitura da frase, como com a música, espantei-me com a minha própria perplexidade.
Por crer que tanto Alexandre O’ Neill, como José Mário Branco, são homens brilhantes, grandiosos e tantos outros adjectivos que lhes poderia aplicar, sempre no sentido de justo reconhecimento.
Talvez por também acreditar, que o único defeito dos heróis é serem sempre poucos.
Mais um 25 de Abril se comemorará na semana que vem e é o único dia do ano em que as pessoas olham para os muros de Abril, se é que ainda existem, e lêem as frases bonitas neles inscritas. Algumas já tapadas por outros escritos da modernidade.
Mas será que olham estas frases vendo-as no seu difícil e esforçado marco de uma mudança árdua, conseguida à custa de tantas vidas destroçadas e de tantas famílias separadas?
Se calhar eu queria demais, achei que “tudo” o que foi feito hoje não chega para “(…) lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus e o frágil e ingénuo cravo da rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição (…)”, José Mário Branco.
Enfim, cada dor no seu todo. Lamento que se tenha sumido o futuro histórico de uma classe de Homens que se calam no sonho de uma luz que vem do fim do mundo e que já ninguém vê, já ninguém a quer recordar.
Talvez por a censura dos nossos dias ser um pouco diferente, o sistema de calar o povo continua a funcionar, mas contemporaneamente não tiram a liberdade fazendo presos e torturando-os “à descarada”. Hoje existe uma tortura diferente, mas também ela nos faz prisioneira. O novo sistema remonta à censura, pelo cansaço, pela exaustão. Enfim, pela desmotivação de um revolucionarismo que ainda possa existir, guardado escondido, num povo que sempre lutou pelos seus ideais e por aquilo que acredita.
Os Portugueses, jovens e velhos, já estão tão fartos de esperar em eternas filas, ora para pagar as suas contas, ora para declarar os seus impostos honestamente, ora até para receber o pequeno salário que o patronato insiste em não reverter, e que normalmente não chega ao fim do mês, por muitas greves que se façam.
Com que moral o “ilustre” Estado Português vem pedir dinheiro ao esfomeado do “Zé Povinho”, a tempo e horas, tudo dentro de prazos rigidamente estipulados, quando o próprio, ilustre Estado paga a desoras o que recebeu a mais dos contribuintes que realmente trabalham, se levantam na maioria das vezes às sete da manhã e que só retornam a casa depois das oito da noite.
José Mário Branco criou em Fevereiro de 1979 uma “rábula”, em forma de conto musicado, revoltado, que no fundo não passa de uma sátira à sociedade contemporânea Portuguesa. Tentando num “último” suspiro confrontar-nos com uma realidade quase proibida, por muitos não a quererem ver. Uma realidade incómoda pela sua verosimilhança, não só com os tempos “remotos” do 25 de Abril de 1974, mas também para nós, aqui presentes: cómodos e difíceis ouvintes.
Ele a tudo responde. Tem para tudo resposta. E no fim lamenta. Por tudo saber, e talvez não querer!
A dor de José Mário Branco é notável, um homem que se emociona com a realidade triste da vida.
O nome da sua música creio ser mais uma das suas formas de satirizar o sistema, numa tentativa de o “chocalhar”. Viva! Alguém o faça!
Não se resume a apresentar causalidades, casos, consequências, mas também soluções, ou pelo menos caminhos para elas.
“FMI” é como que um sujeito abstracto e não-abstracto a que se aplicam todas as críticas dirigidas duramente. O FMI que nos dias que correm de abstracto nada tem. Mas, o verdadeiro sujeito somos todos nós.
A dura/crua, nua/verdadeira e sincera linguagem propositadamente utilizada e especialmente escolhida por José Mário Branco, tem o objectivo mais directo de querer realmente marcar, fazer rir, fazer chorar… Essencialmente para fazer pensar e agir, seriamente.
Um texto repleto de heróis e de vencidos, para nos fazer ver, que viver só por viver não vale nem nunca valerá a pena. Por nós próprios. Temos de lutar pelos nossos ideais, não nos podemos deixar ir com a maré. Especialmente a que vivemos nos nossos dias.
José Mário Branco enuncia um “Viva a liberdade!“, de modo completamente revolucionário, porque a liberdade não é para poder sair à rua e dizer palavrões, ou poder escrevê-los nas paredes.
Critica os que não valorizam o 25 de Abril, os que não lhe dão qualquer espécie de continuidade. Defende que uma só revolução não chega para os Homens se acomodarem, todos temos de fazer valer os nossos direitos que nos foram dados pelos heróis de Abril, de mão beijada, sem nada reclamarem em recompensa.
O povo hoje não vê, não ouve, não quer ver, não quer pensar, já ninguém arrisca, já ninguém quer falar, todos se desculpam com a falta de tempo.
Para os Portugueses o 1º de Maio, o 25 de Abril, não passam de meros feriados, em que todos precisam de descansar, todos precisam de ter a sua conscienciazinha limpinha e principalmente sossegadinha, sem pensar muito, sem reflectir.
José Mário Branco lembra o 25 de Abril de modo dramático. Pinta-nos um desenho a fresco do Portugal mesquinho, esquecido, magoado, de um Portugal usado, triste, cómodo e muito sofrido, chocado, aprisionado.
Num país, segundo José Mário Branco, de pelintras, analfabetos, pobres, e sem quaisquer ambições, guiado por um poder que tudo ordena, tudo exige e nada dá. Um país onde o povo descontrai embebedando-se.
Quanto menos o povo souber, melhor!
É claro que todas estas críticas destinam-se unicamente a acordar os Portugueses para o iluminismo duro de uma vida de trabalho, sem esperanças de futuro.
José Mário Branco critica-se, questionando-se se valerá mesmo a pena esta sua luta talvez injusta e inglória, pela verdade. Segundo ele próprio, anda a pregar aos peixinhos como o Padre António Vieira, a “arriscar o pêlo”, e só lhe dão “porrada e mau viver”.
José Mário Branco, com 37 anos, não vê aqui futuro na sua vida, tem uma visão da sua continuidade desesperada. Quer ser feliz, mesmo sem futuro e sem progresso. Quer que o deixem em paz, mais vale só que mal acompanhado, não quer ser mais “empranhado pelos ouvidos!”. Quer morrer sozinho, em paz!
Acordem! Humanos! Pessoas! Portugueses! Acordem para o presente! Acordem para o futuro!!!
Não deixem morrer o 25 de Abril. Não deixem que nos levem a liberdade.
No fim de todas estas respostas, algumas em forma de perguntas, José Mário Branco choca, quer definitivamente chocar, a quem o está a ouvir.
Tantas respostas respondidas, sem ninguém lhe perguntar nada, para quê?
Quer fazer-se sentir, chorar, as vítimas de todo um 25 de Abril.
Por fim, José Mário Branco já nada quer. Está desmoralizado, exausto da luta, quer somente ficar sozinho, deseja infinitamente o colo da mãe, o seu carinho e a sua paz. Não quer pensar mais. Quer desnascer para se ir embora, fugir a tudo isto, a toda esta hipocrisia.
Quer fugir de se encontrar, e se encontrar fugindo. De quê?
Mãe responde! Por favor! Para quê as perguntas? Que perguntas são estas? Tão cruéis?! Tão difíceis de responder.
Onde está a razão da sua dor, do seu sofrimento?
José Mário Branco quer inventar um mundo sem dor, sem injustiça, sem mal. Um mundo perfeito, em que todos pudessem ser iluminados, sem sofrer. Talvez uma utopia. Talvez?
José Mário Branco quer partirpara um mundo, sem saber de quê.
Quer recordar. O mar. A mãe. A terra pura e inocente.
Nessa viagem para ganhar, para acordar e abrir os olhos e com amor “tudo fecundar”. Lembrar a dor, lá no passado, que não é possível esquecer, que tanto o marcou e que tanto o faz chorar de alegria, na esperança alegórica e precoce de um mundo vazio de ódio.
Se não são estas as respostas que todos desejamos, até mesmo o próprio Alexandre O’ Neill, então porque nunca fazemos as perguntas que realmente queremos?