Gente Vulgar

Foi à terceira que o filme me arrebatou. Não que antes não tivesse deixado marca, mas no voo nocturno sobre o Atlântico, ao percorrer a lista de obras disponíveis no catálogo da Delta Airlines, tropeço no clássico moderno realizado por Robert Redford em 1980, Gente Vulgar. Aconteceu (mais) uma confluência feliz entre oferta e procura e pela primeira vez, a força e profundidade desta história atingiu-me ao ponto de ter que me conter (as lágrimas) nas cenas mais prementes, algo que não recordo haver sentido antes.

Se provas fossem necessárias de que a década de oitenta marcou um regresso do Cinema a uma certa “intimidade clássico-familiar”, esta abertura confirma-o. Um filme forte como nunca o havia sido para mim, que tem na culpa e na forma como evitamos ou abordamos os dramas mais profundos um dos fios condutores. Mas há mais, muito mais: uma realização segura e um argumento tão bem delineado, respeitando em tempos perfeitos as fases da história, as alterações que as personagens vão vivendo ao longo do drama, evoluindo (ou não); por fim, as interpretações, talvez os papéis das vidas dos quatro artistas principais, com Timothy Hutton (o filho) a levar o merecidíssimo óscar e Mary Tyler Moore (a mãe) e Judd Hirsch (o psiquiatra) a ficarem pelas nomeações. Donald Sutherland (o pai) foi esquecido, mas o seu papel é determinante para o equilíbrio de toda a trama.

Os enredos que assentam na intimidade só se aguentam quando o naipe de actores emprestam à obra interpretações superiores. Gente Vulgar traz-nos puro ouro no que ao trabalho de actores diz respeito.

Sobre a história não me alongarei uma vez que também a sua descoberta ao longo das duas horas que leva o filme, faz parte do processo que nos envolve a nós, espectadores, o que seguramente aconteceu comigo nas primeiras horas da noite neste voo.

Não desenvolverei as razões por que este filme me tocou tão mais profundamente desta vez do que das anteriores, apesar de não me ser difícil seguir as pistas, mas a escolha não foi um acaso, quando havia bons filmes na lista que eu desconhecia. A escolha é um binómio de sorte e honestidade e as duas estiveram de feição. Tocou fundo, tal como a adaptação da banda sonora de Canon de Pachelbel, ou a escolha dos cenários, maioritariamente localizados em Lake Forest, Illinois.

Tanto palavreado para desvendar tão pouco deste drama familiar. Talvez os óscares (hoje remetidos à vulgaridade) acendam a chama da curiosidade: além de Hutton, o filme levou mais três estatuetas: Filme, Realização e Argumento. Não terá sido só a mim que este drama falou.

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