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Fod@-se, é difícil!

Confesso. Talvez fosse politicamente mais correto dar um título diferente a este artigo, mas de certeza, não surtiria de forma tão imediata o efeito que procuro, que é captar a sua atenção plena desde o primeiro ao último instante.

Isto para seguir a tendência de sucesso e que fique registado, que não me agrada, dos livros que atraem pelo título onde consta a vulgar obscenidade.

Decidi por isso (mas só por agora!), enveredar pelo caminho do mais fácil, porque o resto que aí vem, está já por si, pela sua essência, minado de obstáculos. Viver. Escrever. Amar aquilo que se faz e tudo o resto.

Escrever e publicar livros em Portugal é difícil. Ponto final parágrafo.

A primeira dificuldade começa logo no ato de desejar escrever, nas dúvidas que assassinam à nascença a vontade de muitos dos que almejam essa coisa etérea que é “ser escritor”.

Como escrever um livro? Será que a minha história é boa, o bastante, para ser merecedora da atenção divina de A Editora, essa deusa inatingível, indecifrável que procuro alcançar e persiste em me recusar e ignorar? Eu, que vivo na triste sombra do anonimato, onde tantos outros antes de mim, também um dia, deambularam sozinhos, antes de atingirem o estatuto de “escritor que vai vender livros, por isso vamos publicar.”

No meio das dúvidas e dificuldades de quem deseja enveredar pelo mundo da escrita profissional, esta é talvez a questão “mais fácil” de responder. Falo, de “Como escrever um livro?”. E digo mais fácil, porque é a única que se consegue verdadeiramente controlar. Mas, de fácil, nada tem. Ai de quem pense o contrário! E são tantos os que desejam escrever e se ficam pelo caminho da desesperança, porque não sabem que inspiração, não é um ar que se inspira. É um hábito que se cria, uma rotina que se instala, uma irmandade inquebrável que surge entre nós e a cadeira dura, desconfortável, entre os dedos frios que insistem em ficar dormentes e um ecrã desfocado de tanto ser fixado.

Se quer escrever um livro, se quer escrever mais e melhor, tem de ler bastante, tem de estudar gramática, tem de aprender o ofício da escrita. Tem de escrever, todos os dias, meses, anos seguidos. Não há outra solução. Aqui não existem atalhos. Bem, talvez existam alguns, mas de isso falarei numa outra ocasião.

A verdadeira mestria que nos faz entrar na dimensão de feiticeiros das palavras, dos que conseguem cativar a atenção absoluta e o coração de quem nos lê, semeando a ânsia viciante de desvendar o que vem a seguir, fazendo o leitor ficar agarrado a cada página, a tremer pelo destino das personagens, o desfecho do sonho nem sempre alcançado como desejado, só se alcança com a prática pura, dura e crua da escrita. Com a dor diária de teclar, rasurar o papel, rasgar e apagar palavras que teimam em sair erradas.

Diz-se que a Escrita não se ensina, não se aprende. Discordo. Claro que como em tudo, é necessário “talento”, muita paixão e uma certa dose de obsessão à mistura. Só a paixão consegue vencer a procrastinação, o medo da rejeição, a vontade de desistir quando recebemos mais um email repleto de palavras infames que nos adiam novamente o sonho, nos empurram para o limiar do abismo imenso da desilusão, da frustração… “Estivemos a refletir sobre o projeto, contexto, atualidade e o que temos já programado em catálogo. Infelizmente, não nos é possível equacionar o texto que envia para este ano.”

E estas são as “boas respostas”! As piores são aquelas que ficam por receber. Que nos fazem agonizar por dentro, no vazio do silêncio, ruminando durante semanas, meses: «Será que não receberam o meu email? Porque não respondem? Já passaram seis meses. Já passou um ano… Será que devo telefonar?»

Com o tempo, aprendemos a lidar com esses vazios, essas “não respostas”. O tempo ensina-nos quase tudo, e releva-nos o restante, o que fica por esclarecer, num silêncio inesperado e desesperante que não se entende bem o porquê de assim ser…

Aprendemos a esperar. A cultivar nas entrelinhas, a celestial paciência de quem quer Ser Escritor, ou algo mais, e continuamos a escrever. Continuamos a viver.

Ficamos, aparentemente bem. Avançamos. Persistimos. Não desistimos, porque queremos ser lidos. Queremos que reconheçam a nossa Voz, os nossos heróis, as nossas heroínas, as suas dores, conquistas, derrotas, os seus amores e desamores, as suas escolhas, por vezes, acertadas, outras vezes — a maioria! — nem por isso! Queremos que conheçam as suas paixões e traições, as suas mentiras, as suas verdades. A sua crueldade. A sua ocasional frivolidade. O seu Ser, pleno. Sem máscaras, sem hipocrisias. Tal como nós, que desejamos amar e ser amados por aquilo que somos, pelo nosso valor, pelo que temos para dar. E é tanto! Mas, fod@-se, é difícil!

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O que acabei de ler: Lisboa em camisa, de Gervásio Lobato, Editora Guerra & Paz

Prescrição literária: um livro que nos transporta à cidade de Lisboa em finais do século XIX, uma paródia da época com vislumbres de atualidade. O tema é Lisboa, tendo como cenário as peripécias da família Antunes, dos seus sogros Martim (sem s), da família Torres, do conselheiro com as filhas casadoiras e do Dr. Formigal, entre outras personagens muito caricatas. Lisboa em Camisa foi, desde a publicação em 1882, o mais estrondoso êxito de Gervásio Lobato, jornalista e romancista, com inúmeras edições,  autor hoje esquecido, recordado apenas por uma rua com o seu nome, em Campo de Ourique.

O que estou a ler: A Amiga Genial, de Elena Ferrante, Relógio D’Água.

Prescrição literária:  esta é história de um encontro entre duas crianças de um bairro popular nos arredores de Nápoles e da sua amizade ao longo das suas vidas. Um livro que nos provoca sentimentos contraditórios e a vontade de conhecer melhor o mistério por trás da própria escritora. A Amiga Genial tem o ritmo de uma grande narrativa popular, densa, por vezes veloz e desconcertante, simultaneamente ligeira e profunda, que nos mostra os conflitos familiares e amorosos numa sucessão de episódios que o leitor deseja que nunca acabe. Estou também a ler, Desoras, de Julio Cortázar, uma referência incontornável para quem deseja aventurar-se no mundo da escrita de contos arrebatadores.

O que vou ler a seguir: Não se pode morar nos olhos de um gato, de Ana Margarida de Carvalho, Teorema

Prescrição literária:  Um romance possante sobre a necessidade do outro e das suas mudanças. Um retrato do ser humano desprovido de vaidades ou rótulos sociais.

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