Terá sido na Primavera de 2014 que vi Filomena com a Angélica, no cinema do Oeiras Parque. Mais do que por qualquer outra razão, quis ver este filme pela história! A exclamação prende-se com o facto de nunca querer saber as sinopses no momento da escolha: as opiniões (da crítica e do público), os intérpretes, realizadores, argumentistas, e por vezes o país de origem são os ingredientes cozinhados para me decidir. No final, resolvi seguir aquele feeling, parecido com o que nos assalta quando entramos numa livraria e rapidamente reconhecemos pelas capas ou agregações, se determinada obra ou secção nos interessa ou se nem vale a pena perder um segundo.
Judy Dench é uma dama em todos os sentidos. Stephen Frears um valor seguro e experimentado da realização britânica. Steve Coogan um comediante que eu desconhecia. A história: o relato verídico de uma mãe à procura do filho que lhe havia sido retirado pelas freiras do convento para onde havia sido enviada grávida, ainda adolescente, cinquenta anos antes. A vergonha havia atrasado a decisão de Philomena Lee partir mais cedo à procura do primogénito (viria a ter uma filha mais tarde).
Na Irlanda católica da década de 50, ser mãe solteira e adolescente era motivo de vergonha. As raparigas a quem tal acontecia eram enviadas para conventos, tratando as freiras de, mal as crianças nascessem, entregar os bebés para adopção; de preferência a famílias do outro lado do Atlântico.
Philomena viveu com esta dor durante mais de meio século. Foi quando encontrou apoio no jornalista Martin Sixsmith que o sonho de reencontrar o filho começou a ganhar forma. Do convento de Sean Ross, não encontraram outra coisa além de, mais do que silêncio, um profundo desprezo pelo outro e uma incomensurável dose de maldade. Sozinhos, foram juntando as pontas de um passado sofrido, numa tentativa de aproximar Michael (que deveria ter mais de cinquenta anos, à data) da sua mãe.
Não desenvolvo mais a história, não só para não destruir o impacto que a visualização do filme pode causar, como para não influenciar qualquer juízo acerca do que se passou depois (não que subsistam muitos ângulos de análise).
A curiosidade não morreu depois de as luzes se acenderem e a Angélica e eu ficarmos em silêncio, durante uma parte não desprezível dos créditos finais. Trocámos algumas palavras que expressavam o nosso estado de espírito, elogiámos os dois intérpretes, a realização (brilhante) e a forma como a história nos foi contada na tela, e fomos para as nossas casas. Nessa mesma noite, procurei o livro que originou o filme, O Filho Perdido de Philomena Lee, de Martin Sixsmith. Comprei-o e li-o pouco depois, revivendo e até reforçando alguns dos sentimentos que o filme trouxera. Como era possível?
Fiquei a adorar aquele homem, Martin Sixsmith, que no fim, resolve… não posso escrever aqui o quê (spoiler), mas foi a mais nobre atitude. E ganhei um respeito gigantesco por uma mulher que sofreu num tempo que não era o dela, vítima de uma época e de uma sociedade que diziam mais sobre a maldade do que sobre a vida.
Filomena não é um filme brilhante, mas é um filme que brilha pela sensibilidade e honestidade que transporta para a história, e para nós, e que nos oferece um retrato de um período negro, construído por grandes intérpretes. Só podia ser assim para transformar em enternecimento um assunto tão delicado.