Esta até poderia ser uma frase minha a ser irónica, para um assunto tão sério, mas infelizmente esta frase é de um anúncio e a garagem está para arredamento por 700€.
Em abril de 2020, escrevi um texto sobre este tema, um género de “carta dirigida ao Sr. Primeiro-Ministro”. Na altura, trabalhava numa imobiliária em Lisboa e tinha contato direto com esta realidade. Anos depois, continuo a trabalhar numa imobiliária, mas noutra cidade e a realidade mantém-se. Aliás, agravou-se. Cada vez mais vejo famílias a serem expulsas das próprias casas por não conseguirem pagar os empréstimos ao banco.
Tivemos recentemente um caso em Coimbra, de um agente de execução que teve de expulsar uma família, mas ficou comovido de tal forma com a situação, que arranjou uma solução para a mesma não ficar sem teto.
É esta a realidade em Portugal. Quem cá mora, está a ser expulso e a dar lugar a quem vem de fora. Eu sempre entendi a importância do turismo e de atrair estrangeiros com grande poder de compra, mas não pode valer tudo. Não pode ser às custas do nosso povo, de quem é português. Três anos depois, ainda não consigo, sozinha, alugar um apartamento. É impensável com o ordenado que ganho. Existem cidades em que o valor de um apartamento é mais baixo que em Lisboa, mas é o valor do ordenado mínimo. Não comia o resto do mês. E acredito que atualmente, em algumas situações, isso de facto aconteça.
Temos vistos manifestações por todo o país, com pedidos para melhores condições de habitabilidade, mas não me parece que vá de facto mudar alguma coisa.
Em conversa com o meu pai há uns dias, ele disse-me uma coisa que me ficou na memória. “Eu sei que muito dificilmente vais construir uma casa como eu fiz com a tua idade.” Não, pai, não vou conseguir construir uma casa e muita sorte terei eu, se não precisar de voltar para vossa casa aos 34 anos. Cada vez mais esta é uma situação recorrente. Os filhos regressam a casa dos pais e por ali se mantêm. Aprendemos na escola que o “ciclo comum da vida” imposto pela sociedade é tirar um curso, trabalhar na área, comprar casa, casar e ter filhos. Tive sorte só na parte do curso. Tive a oportunidade de, durante alguns anos trabalhar na área, coisa que também não acontece atualmente. A partir daí, quebrei completamente o ciclo. Nunca consegui comprar casa e muito dificilmente conseguirei poupar dinheiro para isso.
Não vivo em Lisboa atualmente, mas o ordenado estica todos os meses. Partilho casa com o meu companheiro, mas, se não tivesse nessa situação, garanto-vos que estava num quarto arredando. Na imobiliária onde trabalho, por cada anúncio de arrendamento que publicamos a um valor abaixo dos 700€, recebemos dezenas e dezenas de chamadas. Pessoas desesperadas que têm dias para saírem da casa onde estão, que têm filhos e não têm para onde ir. Todos os dias me deparo com histórias destas. E digo-vos mais. Trabalhamos com entidades que vendem imóveis adquiridos pelos bancos. Estes imóveis são casas retiradas aos antigos proprietários por incumprimento no pagamento do empréstimo bancário.
Destes imóveis, chegámos a ir ver uma casa para venda e tinha ainda tudo dos antigos proprietários. Brinquedos e roupas das crianças, comida no frigorifico, móveis… custa imenso chegar a uma habitação e perceber que quem lá morava foi literalmente expulso da própria casa só com a roupa que tinha vestida. Eu acredito que muitos dos portugueses que não pagaram os seus empréstimos bancários, foram obrigados a fazer escolhas: ou colocavam comida na mesa ou pagavam a prestação.
Falamos de medidas do governo para ajudar esta temática, mas até que ponto elas ajudam? Quem de facto, beneficia destas medidas? Não é o comum português trabalhador, mas muitas vezes os que vivem, do rendimento social.
Eu gostava mesmo de poder dizer-vos que isto vai mudar, nem que seja um pouco, mas não vai. A economia do país precisa dos turísticas que pagam milhões por uma moradia em Lisboa e não do português. E quem até consegue pagar uma casa arrendada a um valor baixo, é confrontado logo com 6 meses de renda como já vi.
Não, isto não vai melhorar. As famílias vão continuar a falhar aos bancos, vão continuar a ser expulsas e acredito que o número de pessoas sem abrigo a dormirem nas ruas, venha aumentar.
É neste país que vivemos. O país que tanto damos todos os meses em impostos e em troca recebemos uma oportunidade única de irmos dormir para uma tenda debaixo de uma ponte.