Goffstown, Route 66. A primeira paragem na Califórnia da mítica estrada que impulsionou o desenvolvimento do oeste americano. A paisagem envolvente é árida, agreste e introvertida. As ruínas do Goffs General Store, com a madeira apodrecida pelo sol, são paredes que guardam o vazio e lembram que ali já houve vida. Do outro lado da estrada, uma fila de caixas de correio abandonadas apenas recebem mensagens ilegíveis trazidas pelo vento. Ao fundo o pico de Goffs Butte domina com os seus 1100 metros de altura, revestido num monótono cobertor de terra dourada sem brilho, a mesma do deserto de Mojave.
Logo ali ao lado, junto à linha de comboio que é uma cicatriz de tempo na paisagem, uma construção aparentemente abandonada mostra numa parede um graffiti de Ghandi e duas simples palavras: Teach Peace. O que terá levado alguém a pintar aquela cena em pleno deserto, onde tão bem se ouve o silêncio e onde a paz é um sentimento?
Não fiquei ali muito tempo, menos de meia hora, certamente. Rodeado por vestígios da presença de um homem que não resistiu ao Mojave, senti-me só, um visitante num museu sem visitantes. E ao mesmo tempo preenchido por uma paz interior avassaladora que quase me fez deixar de sentir passar o tempo. Parti, antes que Goffs me prendesse à sua solidão.
Cerca de 90 quilómetros depois, a segunda paragem surge aos nossos olhos com o grande letreiro do Roy’s. É Amboy, auto-intitulada como a cidade-fantasma que ainda não está morta. Rica na sua história, chegou a ter 67 habitantes, escola, igreja, cemitério e uma pista de aterragem ainda hoje usada, por exemplo, por Harrison Ford, confesso admirador de Amboy. Hoje, tem uma população de 4 habitantes. Um polícia, um funcionário do posto dos correios, o responsável por uma pequena central de dessalinização na região e Fred.
Fred é o gerente e único funcionário do Roy’s, motel, bomba de gasolina e café que eram o sustento do local nos anos de ouro da Route 66. A magia de Amboy está em ter sobrevivido. Foi cenário de vários filmes, com destaque para The Hitcher, de 1986. Ou do videoclip Hero, de Enrique Iglesias. Todo o local, com todos os seus serviços e edifícios, foi comprado em 2005 por Albert Okura, milionário que aos poucos tem recuperado Amboy de acordo com a sua imagem dos anos 50. O café é hoje uma espécie de museu evocado a sua época áurea e os seus visitantes. O motel está também em serviço.
Consegui sentir um pouco da história de Amboy. A recuperação já efectuada transmite um sentimento cinematográfico. Estar ali, encostado ao Mustang, a sentir o ar a tocar-me com 46 graus de temperatura, olhando a enorme imensidão da planície que se estende para sul, fez-me sentir como parte integrante de um filme deixado em pause por tempo indeterminado. Senti alegria e um certo poder de conquista porque, no fundo, cada pessoa que ali pára, fica a fazer parte da história de um dos locais mais míticos da mítica Route 66.
Algumas horas depois estava em Barstow, com a civilização de volta e a auto-estrada rumo a Los Angeles a aguardar-me. Foi uma Road Trip curta demais, mas deixou-se cumprir. A estrada aberta mostrou-se, eu sentia-a e li-a. O tempo ganhou um novo significado para mim. Percebi que avança a ritmos diferentes de acordo com a importância que lhe queremos atribuir. E tal só foi possível por sentir o isolamento a que o Deserto do Mojave veta o homem que ousa dele querer fazer parte.