Estações de Serviço

Dão jeito. Restam poucas dúvidas. Mas são deprimentes. Para quem fica e para quem vai.

O que tem os atributos necessários para se equiparar a um oásis no deserto, é afinal – e só – o reconhecimento forçado da falta de alternativa programada. Por que válida razão não nos precavemos em terra antes de nos lançarmos à estrada sujeitos ao que  aparecer, se aparecer?

Preços que fazem escárnio do pobre condutor que já carrega sabe-se lá quantas horas de asfalto sob pneus cansados. Pessoas que se atropelam, aflitas, depois de horas de contenção, para cumprir as suas necessidades básicas, em ânsias para encontrar uma casa de banho já tão e tão profanada que, apesar da exploração, continua a servir. E naquelas horas de aflição, pior que uma latrina suja, é a latrina que está a ser limpa justamente no momento em que nos era tão necessária. Aquela tabuleta amarela no chão, feita obstáculo, a anunciar a limpeza já terá sido alvo de muitos impropérios. Queremos a limpeza, pois claro, mas não àquela hora tão inconveniente! Bem sabemos que, nestas ocasiões de desespero, os níveis de decoro descem para mínimos, que ali ficam, guardados no momento, jamais transportados para outras circunstâncias.

Muitas vezes, essas pessoas, nós, estão também em ânsias para trincar qualquer coisa, ou beber qualquer coisa. E qualquer coisa é mesmo qualquer coisa, é o que houver, pois que a exigência já se largou nas latrinas colectivas onde a necessidade é de todos. Comemos e bebemos o que aquelas vitrinas permitem, e só quando lá chegarmos, depois de percorrida a fila indiana que nos leva, alinhados, como se a privação de comida e bebida durasse dias, e não horas. Ali nos encontramos, como em poucos outros lugares, dispostos a pagar o que não pagaríamos se estivéssemos munidos da nossa dignidade. Mas não estamos.  Urge enfiar uma sandes de plástico, com plástico, enrolada em plástico autocolante, pela goela abaixo. E um líquido qualquer que empurre, para o estômago e, se possível, também para o esquecimento.

Tantas urgências se somam nestes lugares de ninguém. Urge fumar um cigarro; urge tomar um café, rápido, antes que queime ainda mais; urge esticar as pernas; urge mudar uma fralda ou comprar aquele gelado.  Poucas necessidades fisiológicas se mantêm apagadas nestes sítios, e há apelos que surgem sem aviso – ou por precaução – antes de nos voltarmos a lançar na estrada, não venha essa tal vontade fazer-nos parar outra vez.

Contudo, existem pessoas de ânimo mais cimentado que conseguem fazer sala nestes lugares e ocupar tranquilamente uma mesa, fazendo um pouco deste lugar seu, com domínio evidente do espaço e artefactos de que possam precisar para tornar o engolir de um pedaço de comida condizente com uma refeição. São habitantes naturais destes lugares, onde encontram um conforto de habitués, com um desprendimento que ainda não alcancei de pagar pelo rissol e pelo panado o que se paga por uma qualquer delicatessen, que é, afinal, o que se transforma um pastel num sítio destes.

Forasteira, ali, sou eu. Forasteira e ingrata, que depois de supridos os apertos, só me urge sair dali.

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