Quando sento ali, na beira do mar, sinto-me em paz. O mar traz-me a lembrança de que é no movimento onde se traduzem as maiores metamorfoses. Dentro de mim, sei que elas se se germinam e transmutam. Das ondas do mar me vem a calma e a vontade de seguir.
Quando me sento na areia e o observo, tal qual como estou agora, quando lhe sinto o cheiro salgado, o vento a me embalar os cabelos e a força do azul a rebentar em brutais ondas ou a seguir em mística espuma até que sinto essa serenidade.
Contudo, sinto também uma força inexplicável, uma vontade de seguir por outros caminhos e ver outras gentes. Acho que a culpa é do vento, que quase juro que tem alma também e que nos sussurra que para além de andar por estas paragens também já passou por outras tal e qual como a água que olho.
Poderia falar de muitas viagens. Das que fiz e das muitas que deixei de fazer. Das incontáveis vezes que peguei nos livros e cadernos cheios de dicas, notas, indicações, apontamentos, regiões por ver e sentir, ideias tão inexploradas, todas elas por completar.
Viajar é um bichinho que se entranha, que hiberna por algum tempo mas que tem prazo de validade. Acorda faminto, chama-nos de mansinho e transforma-se em rancores quando por algum motivo não lhe podemos atender o chamado.
Nas viagens, saímos de nós para de regresso voltarmos a nós mesmos. De outra maneira. Mais completos. Mais limpos de tristezas e de monotonias. São as viagens que nos curam a angústia que mora muitas vezes cá dentro, que nos servem de guarida a um psíquico que por vezes está tão cansado. É nas viagens que abrimos os olhos para a nossa pequenez perante tamanha grandeza dos outros e de outros tantos espaços.
O mundo mudou muito para os amantes das viagens. Tornou-se por uns tempos palco de medos e incertezas. Já foi muito mais seguro. Outras vezes, nem sempre os viajantes conseguem tomar rumos. Ficam-se pelas viagens de listas dos locais a visitar e de sonhos por realizar porque o dinheiro não estica, as responsabilidades imperam, o anseio de pôr pé na estrada nem sempre vence outras necessidades imperativas.
O viajante fala, então, consigo, deixa o bichinho hibernar um pouco mais e percebe que dentro do mundo das descobertas maiores, também há espaço para outras viagens mais pequenas: caminhar perto daquela barragem, dar largas passadas no cidade ou na aldeia onde se mora, meter-se no carro e atrever-se a beber um café naquela terriola que fica só a uma hora de distância.
Escutam a alma do vento, percebem a sua própria alma e, quando se dão conta, estão quietos e de ânsia lavada, sentados na areia da praia, onde o azul do céu se confunde com o do mar, onde o suspiro que se obrigam os acalma e onde entendem que as viagens nem sempre são as que se sentem fisicamente mas as que igualmente se sonham e elas têm de começar por algum lado.
Se nos mantivermos nelas e percebermos o quanto as queremos, viajamos também.