O inverosímil manicómio em que a realidade se converteu, com acentuada mutação na última década, tem sido alvo de diversas abordagens espalhadas por variadas formas de Arte: romances, filmes, pinturas, ensaios ou mesmo textos dramáticos, várias foram as perspectivas que têm vindo a ver a sua natureza alterada: da liberdade às relações amorosas, do ritmo de vida ao advento tecnológico, da privacidade à capacidade de diálogo, quase tudo foi retratado (e até antecipado) em múltiplas manifestações artísticas.
Quase sempre, a Arte falhou, ou porque derivou para o âmbito da ficção científica ou do misticismo, ou porque ficava a meio caminho do mundo, tal como hoje o vivemos.
Escândalo na TV é uma obra notável de Sidney Lumet que, tendo sido ultrapassada pelo tempo que vivemos, em 1976 levantava o véu sobre o quadro alucinante que trinta anos mais tarde começaria a tingir os nossos dias.
Numa estação de televisão, o pivot do noticiário da noite tem um colapso nervoso e anuncia que cometerá suicídio em directo, como reacção ao seu despedimento devido à queda das audiências. Em menos de nada, a engrenagem é posta em marcha num imediatismo sanguinário, e o aparelho televisivo começa a girar em torno do acontecimento, na ânsia de espremer os lucros e as audiências que o (in)feliz acaso pode trazer.
Num tempo em que junto do público os termos “internet” ou “rede social” eram menos que miragem, Paddy Chayefsky oferece aquele que é, para mim, um dos melhores argumentos alguma vez escritos. A outra grande marca deste filme são as interpretações, tendo sido a segunda obra (depois de Um Eléctrico Chamado Desejo, em 1951) a ver o elenco levar para casa três estatuetas (não voltou a acontecer).
Escândalo na TV é uma lição de humanidade e de desumanidade (a personagem de Faye Dunaway preconiza na perfeição esta falta de escrúpulos) que acontece na tela a um ritmo alucinante, tal com a vida dos nossos dias, onde o supérfluo e o essencial se baralham numa espiral vertiginosa para um abismo que, sem controlo, se alimenta a si próprio.
Num ano riquíssimo, em que os óscares foram (e bem) distribuídos por três ou quatro filmes, Escândalo na TV permanece como um aviso do que aí viria e, se a realidade engoliu muito do que esta história anunciava, o filme continua ainda hoje com uma força capaz de espelhar na tela o que de pior nós conseguimos ter.