Lendas, mitos e credos fazem parte das grandes histórias, das gloriosas epopeias, dos gloriosos anos de qualquer coisa!
Era uma vez (e tudo o que é mágico, incrível e necessário deveria começar deste modo)… Era uma vez e a magia acontecia! Com ou sem varinha mágica, numa cornucópia (Black Sabath é que a sabiam toda) de cores e sabores (dizem ser um bolo) e sons, muitos sons numa cacofonia animada e dançarina, mas não. Lamentavelmente não houve um cavaleiro andante, ou reino encantado, ou princesa que merecesse ser salva. O que houve, dizem os entendidos e estudiosos foi o nascimento dessa pequena coisa chamada Rock numa voz negra e riffs de guitarra e o mundo musical não voltaria a ser o mesmo.
Está bem, caro leitor, já que tanto insiste numa boa fábula, quem sou eu Mister Rock, para lhe negar esse aconchego. Vamos lá então, apague as luzes, puxe de um cigarro ou algo mais saudável (ups), sente-se confortável e “viaje “comigo.
Era uma vez, Charles Edward Anderson Barry, jovem negro de olhos brilhantes e ritmos loucos, insanos, puros, outros de mistura. Era uma vez um jovem de St Louis, coração do Missouri, lá pelas Américas ex-esclavagista (ainda que resistente, mas afinal já rolavam Blues & Jazz). Um jovem de classe média, quase alta bem colocado na sociedade, mas dizem as más-línguas com o diabo no corpo, mas não. Era a música que lhe percorria a espinha, eram os sons, múltiplos sons que lhe habitavam o espírito e as letras, múltiplas letras. Palavras que separadas não tinham nexo, mas com a sua mestria e habilidade, as palavras juntavam-se ou ele juntava-as num processo de abstração e devoção e lá dentro do grande computador, no seu CPU, na sua mente tudo vivia em harmonia, mas nada ele fazia ou escrevia, apenas as vivia (seria mesmo assim?).
Estudante do ensino médio (que ousadia, estudioso), Charles (que ousadia, nome de branco), foi com uns amigos numas tropelias e roubos e foi direitinho para o reformatório condenado por assalto à mão armada.
O diabo (sou eu que o digo num copy/paste católico) escreve direito por linhas tortas e no reformatório, com ar de mau, mas sonho de ser músico, criou um quarteto e por esse tempo (mais coisa, menos coisa), fundia subtilmente as subtilezas de um Blues e jazz, refinando até chegar a um “Rhythm And Blues” e sem querer o reformatório transformou-se em conservatório, terra de muitos ensaios, desvarios e mistérios. Letras convulsas, confusas e a certeza que quando saísse iria chocar o mundo!
Contudo, a pressão de ser ex-condenado negro, filho de um diácono da igreja batista e de uma mãe directora de uma escola pública, o diacho do jovem tinha de assentar e casar pois claro, com a inexpressiva, mas paciente Themetta “Toddy” Suggs com quem teria uma filha Darlin Ingrid Berry (03 de outubro de 1950) e trabalha numa oficina, na reconstrução e motores.
Porém, o ritmo não lhe sai da alma, a música ocupa-lhe e tolda-lhe as mãos e a cabeça só está vaga para as letras. Despacha o “dia-a-dia” como pode e á noite vive de tocar em bares num trio com Johnie Johnson e para estranheza local tocava country (como assim um negro tocar country?) mas da provocação veio a admiração, os shows da guitarra e por vezes passos trocados de dança (dança com guitarra no country? Que provocação!) mas gostava e admiravam
E o Diabo criou nesse espaço a figura imortal de Chuck Berry (alter ego imortal do miúdo negro atrevido). A década eram os confusos e glamorosos anos 50 e Beethoven iria rebolar ao som da voz deste génio.
No entanto, um génio para virar divindade precisa de um encontro de titãs (era uma vez…) com Missouri a ser pequeno, demasiado pequeno para ele ruma a Chicago (ex-terra da lei seca, da máfia, dos gangsters) e choca de frente num encontro de harmonia com o deus das notas soltas do Blues, Mr. Muddy Watters (neste momento o caro leitor abra o Youtube ou o Spootify ou qualquer plataforma e ouça, mas ouça mesmo, enquanto lê este trecho do encontro destas duas divindades, “Blues For Hawailans”, que disse Phil Chess – o produtor – ser uma das inspirações de Chuck desse encontro).
Com esse encontro veio um contrato da Chess Records e o louco Hit “Maybellenne “e com ele vieram as vendas, as gloriosas vendas. Rezam os números mágicos que a cifra se ficou por mais de um milhão de cópias.
No final de 1956, o seu novo hit “Rolll Over Beethoven” fica entre os trinta primeiros na Billboard e Chuck arranca numa digressão com um dos maiores nomes do Country, Carl Perkins que por sua vez também entraria anos mais tarde nesse mundo do Rockabilly e, logo ali, Carl percebeu essa ousadia do miúdo negro tocar Country. Não era o mesmo som, não era o mesmo jeito, não era o mesmo modo. Chuck recuperava letras e frases tão características da melodia e submetia tudo em acordes rápidos e secos, de cadência inflamada e no fim, suava magico. E depois, bem mais depois vai entrar a voz do blues numa guitarra pedante e furiosa e na mestria dos dedos e mãos que parecem agir mecanicamente sobre a guitarra, lá entram uns pós místicos de Rhythm And Blues” e de repente não era nada, nada catalogável e era um tudo sonoro. Segue-se mais estrada, mais aprendizagem em 1957 com Buddy Holly que como ele seria outro pioneiro do Rock, embora curto pois dois anos depois o avião onde seguiria juntamente com Ritchie Valens (La Bamba) e “The Big Bopper Richardson cairia.
De 1957 a 1959, Chuck voava nas asas do sucesso com hits e mais hits a sucederem-se no mesmo ritmo com que percorria as cordas da guitarra. Como se sempre essas letras e esses acordes tivessem morado, existido dentro dele “Sweet little Sixteen” e “Johnny B. Good” e depois o cinema, os filmes “Rock!Rock!Rock!” e “Go Johny Go”.
No final da década de 50, Chuck era a estrela maior de uma constelação de pioneiros do rock e abre uma boite em St. Louis com integração racial (“no white Fellows”) e claro está a provocação não iria ficar sem troco. Em dezembro de 1959 Chuck é condenado e preso por ter relações com menores (neste caso, uma que ele trouxera clandestinamente de outro estado para o seu espaço noturno).
Chuck temia que esse ano e meio preso o afastaria da ribalta, o atiraria para o esquecimento pois tudo estava a acontecer demasiado depressa no panorama musical, mas a verdade é que e mesmo para o seu espanto quando soube que The Beatles e Rolling Stones mantiveram um enorme interesse não só no eu trabalho, como nas suas letras e surgem os Beach Boys a adaptar a melodia “Sweet Little Sixteen” no hit “Surfing USA”
Berry passa muito tempo na estrada, sempre de guitarra em punho, sempre tocando por dólares, lançando aqui e ali discos regulares, mas problemas comas finanças e um certo cansaço o motivam (antes partir que torcer) a maratonas de setenta a 100 noites por ano no palco. Em 2008, tournée na Europa (Suécia, Finlândia, Reino Unido, Holanda…).
Pé ante pé, com garra e com magia, com a certeza de querer tocar sempre aos 90 anos de idade o seu primeiro álbum desde “Rockit” de 1979.
A 18 de março de 2017 Chuck Berry “a lenda”, “o pai do do Rock” é encontrado morto na sua casa no Missouri. Para a posterioridade os seus sucessos e um novo som, o nosso Rock mais puro.
Em nome do pai Chuck, o rock perdura “As long the Devil could not sing”.