Em busca de um sistema económico sustentável

Este ano, no segundo dia do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, estiveram num ciclo de debates a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, e o vocalista do U2, Bono Vox.

Bono disse que o capitalismo não é imoral, mas sim amoral, ou seja, apenas indiferente aquilo que é moral. Falou que o capitalismo tirou mais pessoas da pobreza do que qualquer outro ‘ismo’, mas que o sistema económico é uma besta selvagem que, se não for domada, pode devorar tudo”.

Já Christine Lagarde disse que para minimizar o diferencial financeiro e favorecer a inclusão e o crescimento “não é preciso reinventar a roda”, mas, sim, adotar iniciativas de crescimento sustentável. E que para conseguir os objetivos de desenvolvimento sustentável, as economias emergentes deveriam dedicar pelo menos 4% do PIB e que os países mais pobres deveriam gastar ainda mais, cerca de 15%. Os países com menos rendimentos precisam mobilizar a poupança doméstica e gastar de forma eficiente, de modo a evitar a corrupção e os elefantes brancos.

Nos dias atuais, qualquer debate sobre a situação económica parece ser negativo. As crises, a corrupção, a desigualdade social, problemas emigratórios, guerras e outros tantos males geralmente são atribuídos ao capitalismo.

Mas o que é o capitalismo?

O capitalismo é um sistema económico que visa o lucro e a acumulação das riquezas e está baseado na propriedade privada dos meios de produção, a comercialização dos produtos é realizada num mercado livre, onde as empresas vendem os seus produtos e serviços de acordo as leis da oferta e da demanda.

No livre mercado, a concorrência reduz o valor e aumenta o acesso aos bens de consumo, que seriam mais caros num mercado não competitivo. Para poder concorrer, as empresas têm que ser eficientes, ter melhores produtos e serviços, melhores preços, precisam investir e inovar para criar e satisfazer as necessidades dos clientes, que são livres para comprar os produtos ou contratar serviços.

Por outro lado, como o objetivo principal do capitalismo é a obtenção do lucro e da acumulação de riquezas, o que ocorre nesse sistema é o enriquecimento de uma pequena parcela da população, causando a desigualdade social. Na busca pelo lucro e pela acumulação de capital, algumas empresas podem-se tornar tão poderosas e passar a controlar o mercado e assim prejudicar os compradores. Outro problema são as externalidades, conceito de economia para designar os efeitos colaterais de uma decisão que recaem sobre aqueles que não estão envolvidos na ação, por exemplo, a utilização desenfreada dos recursos naturais que causam poluição e desastres climáticos, afetando a todos.

Contudo, são as crises económicas no sistema capitalista que causam os maiores danos a todas as pessoas do mundo. A crise de 2008 foi um colapso no sistema financeiro dos Estados Unidos da América que se espalhou pelo globo e ainda hoje trás consequências.

O capitalismo pode acabar?

Para o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, o capitalismo e a democracia foram, por muito tempo, considerados adversários, onde os que detinham o capital temiam que as maiorias democráticas abolissem a propriedade privada, enquanto os trabalhadores receavam que os burgueses financiassem governos autoritários para defender os seus privilégios. E hoje, com o sentimento da classe trabalhadora de que os políticos são incompetentes e corruptos, novamente as dúvidas sobre a compatibilidade entre uma economia capitalista e um sistema político democrático voltaram com força total.

Para Streeck, conceber o fim do capitalismo como um processo e não como um evento, levanta a questão de como definir o capitalismo. Sociedades são entidades complexas que não morrem da mesma maneira que os organismos: com a rara exceção da extinção total, a descontinuidade sempre está acompanhada de alguma continuidade. E o sistema capitalista está a desorganizar não só a si mesmo como também a sua oposição, privando-a da capacidade de derrotar o sistema ou, então, de salvá-lo. Assim, para que chegue ao fim, ele deve providenciar sua própria destruição. Diz, que sem oposição, o capitalismo se entrega aos seus próprios mecanismos, que não incluem a autocontenção. O capitalismo morre de uma overdose de si mesmo. A tal besta selvagem, do discurso do Bono, que precisa de ser controlada.

Há uma alternativa?

Apesar de tudo, como disse Bono, o capitalismo ainda é o sistema que mais tirou pessoas da pobreza do que qualquer outro. E a solução pode estar no que diz Christine Lagarde, no crescimento sustentável.

Para John Ikerd, professor da Universidade de Missouri e autor do livro Capitalismo sustentável: Uma questão de bom senso, nenhum outro sistema económico consegue rivalizar com o capitalismo. Tentaram o comunismo, o socialismo e as teocracias religiosas que nunca foram capazes de satisfazer as necessidades do povo. Fracassaram enormemente por não serem economicamente sustentáveis, para além de serem muito mais corruptas e ditatoriais.

Ikerd reforça que a maioria das decisões económicas individuais não privam ninguém dos seus direitos sociais básicos ou violam qualquer imperativo moral. Estas decisões legitimamente pertencem ao indivíduo, onde não há alternativa lógica ao capitalismo. O capitalismo, com todos os seus riscos inerentes, ainda é a melhor esperança da humanidade para a sustentabilidade. Contudo, as economias capitalistas, apesar de muito eficientes e tremendamente produtivas, estão consumindo rapidamente os recursos dos quais dependerão para sua produtividade futura, não são sustentáveis.

O capitalismo sustentável, por outro lado, não requer nenhum sistema de valor radical, pois ele requer apenas que voltemos aos princípios fundamentais do capitalismo clássico e das bases da democracia, pois a sustentabilidade, em última análise, é uma questão de ética e moralidade.

O capitalismo clássico foi construído sobre uma base sólida moral e ética. Adam Smith escreveu no seu clássico de 1776, A Riqueza das Nações, “que as melhorias nas condições de vida das classes mais baixas nunca deveriam ser consideradas como um inconveniente para a sociedade”.  Entendia que uma economia capitalista deve funcionar dentro dos limites sociais e éticos de uma sociedade moral e justa, para funcionar para o bem-estar das pessoas em geral. No entanto, as economias capitalistas de hoje são dominadas por grandes empresas multinacionais, com grandes necessidades de investimento e patentes e com bilhões de dólares gastos em publicidade enganosa e persuasiva. O comércio internacional não é mais um livre comércio entre os indivíduos soberanos, mas passou a ser dominado por grandes grupos de interesse privados que tomam as decisões dentro das economias capitalistas.

As corporações não são seres humanos. Elas não têm nenhum senso do que é certo ou errado, bom ou mau, não têm capacidade ética ou moral. É preciso limitar os poderes das corporações e para restaurar o verdadeiro capitalismo para a economia mundial.

Ikerd defende que somente quando a nossa economia for novamente competitiva e funcionar dentro do contexto de uma sociedade equitativa e justa, ela será sustentável. Isto não é o comunismo ou socialismo, mas a democracia capitalista fundamental. E tudo que é preciso fazer para estabelecer uma economia capitalista sustentável é voltar aos valores fundamentais da democracia e dos princípios fundamentais do capitalismo. Estamos no meio de uma grande transição e simplesmente não se deve continuar a fazer o que tem sido feito há décadas, esgotando rapidamente os recursos naturais e humanos sobre a qual a própria sobrevivência da humanidade depende. As economias capitalistas de hoje não são sustentáveis, mas, sim, predatórias. É necessário renovar e regenerar o capital ecológico e social, e assim sustentar o capital econômico necessário para uma economia sustentável.

Como disse Christine Lagarde, “não é preciso reinventar a roda”, mas, sim, adotar iniciativas de crescimento sustentável.

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