Em 2 anos… do Estado ao Cidadão

Há dois anos, Portugal vivia um dos pontos mais fortes e exigentes do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro acordado com a Troika e desenvolvido pelo Governo PSD/CDS. Após pouco mais de um ano a desenvolver as medidas para cumprir as metas acordadas no dito programa, o Governo, já bem longe dum qualquer período de estado de graça que, na realidade, nunca chegou a viver, começa a sentir o peso das contestações dos restantes partidos e da população portuguesa às medidas que, rapidamente, começaram a fazer sentir os fortes cortes nos seus rendimentos.

Com uma taxa de desemprego crescente, que só viria a estabilizar realmente em 2014, polémicas constantes geradas por uma enorme falha na comunicação do executivo, assim como um êxodo de muitos milhares de portugueses que procuram uma vida melhor e não conseguem encontrar oportunidades em Portugal, este Governo esteve, nos últimos dois anos, num verdadeiro limbo. A oposição, de forma repetitiva e incessante, solicitou eleições antecipadas, ao mesmo tempo que crises governamentais ocasionadas pelas visões diferentes das duas partes da coligação levavam a que, constantemente, o Governo estivesse, qual malabarista, a aguentar-se numa posição em que, não houvesse uma dependência financeira do exterior, já teria levado o país às urnas.

Nas eleições intermédias, autárquicas e europeias, os partidos do governo foram castigados em relação às políticas seguidas. Contudo, se nas autárquicas esse facto foi muito intenso, nas europeias, novos sinais, diferentes, em linha a algo que já há muito refiro, até mesmo em artigos aqui no Repórter Sombra, começaram a tornar-se evidentes.

Se Portugal vive, por falta de alternativas, numa oscilação governamental entre PSD e PS, muitas vezes auxiliados pelo CDS, as eleições europeias mostraram dois factores extremamente importantes e que não mais poderão ser desconsiderados. Por um lado, a emergência de pequenos partidos e movimentos cívicos, representativos duma sociedade cansada da política como ela tem sido feita nos últimos 40 anos, cansada do “mais do mesmo” e que reflectem uma população que urge em ser ouvida, algo que levanta outras questões tanto, ou mais importantes. Por outro lado, os resultados eleitorais revelaram também, para além do agonizar dum Bloco de Esquerda desprovido da sua cabeça, que a alternativa natural ao Governo de Passos Coelho não é, de forma clara, um Governo encabeçado pelo ainda actual líder do PS, António José Seguro.

Voltemos um pouco atrás e recordemos que, por mais do que uma vez, Cavaco Silva solicitou um entendimento entre os principais partidos para promover um entendimento de desenvolvimento do país a médio/longo prazo. Tal esforço, seja por uma magistratura apagada do Presidente, seja pela teimosia constante dos líderes dos partidos, sem contar, claro, com o disco riscado na exigência de eleições antecipadas que substitui Seguro na liderança do PS, revelou-se infrutífero e levou a resultados curiosos. Seja duma forma mais visionária, ou não, o Presidente tentou antecipar-se a algo que eu digo há algum tempo e que, hoje, começa a ser uma cada vez mais próxima realidade, a necessidade de Governos pluripartidários que envolvam os diversos partidos, nomeadamente os pró-Europa e pró-Euro.

Se seria de esperar que, com toda a contestação ao Governo de Passos Coelho, com os níveis de desemprego, de baixa de rendimento e tudo o resto que temos vivido nos últimos tempos, o PS disparasse nas sondagens, tal não aconteceu, muito pelo contrário, com sondagens a dar o empate entre o PS e a coligação PSD/CDS. Num contexto como o que temos vivido, com um programa de ajustamento que, na realidade, apenas se revelou totalmente desajustado, mas em que o Governo não conseguiu, ou não quis mexer nos traços principais, com um Tribunal Constitucional a ser um entrave à aplicação de medidas consideradas estruturais, era totalmente expectável que Seguro conseguisse mobilizar um país para o seu apoio. Seja pela fraca figura de Seguro, em nada carismático, seja por um ainda ligar do PS ao passado recente e à figura de Sócrates, a verdade é que os Portugueses não vêem no partido uma alternativa forte.

Com as eleições europeias, o que há muito se previa verificou-se, com António Costa a avançar para a liderança do PS, levando a um cindir do partido e à demonstração de que a realidade é muito mais elaborada do que aparentava. O que temos assistido, do lado do PS, é um confronto muito pesado, em certos momentos, verdadeiramente sujo, que coloca o país numa espera. Muitos vêem António Costa como um salvador, um D. Sebastião, fazendo disparar as sondagens a seu favor, quando o seu nome é confrontado com o de Passos Coelho, mas a realidade é que ainda a procissão vai no adro e ainda não se viram ideias concretas para o desenvolvimento e crescimento de um país que tem urgência em resolver problemas estruturais.

O que Portugal vive não é mais do que a maturidade de um sistema político e a necessidade de encontrar um caminho diferente para uma população que não só é também diferente como tem condições que não existiam há 40 anos, quando o regime foi conquistado. Se assim tivermos também, enquanto nação, maturidade para criarmos um novo caminho, Portugal poderá estar, acredito, na linha da frente das mudanças políticas mundiais, até porque o que vivemos aqui não é muito diferente do que o resto da Europa e do mundo está, ou estará a viver. As nações procuram consensos, não diferenças, procuram políticas sustentáveis e não alternâncias constantes e é precisamente isso que está a ser pedido às classes políticas portuguesas. Para além da seriedade, honestidade e transparência, é urgente uma eliminação de egos e um trabalho conjunto de ideias e não de ideologias.

Há precisamente dois anos, num dos primeiros artigos a ser publicado aqui, defendia, como ainda defendo, que já não faz sentido falar-se de direita e de esquerda, nem sequer duma terceira via, pois o que as populações necessitam, não só em Portugal, mas por todo o mundo, são compromissos de desenvolvimento e crescimento, de bem-estar, prosperidade e liberdade. Se não se põe, à partida, em causa o sistema democrático, realidade é que ele precisa de ser adaptado para que os cidadãos possam ter uma voz mais activa nas decisões e não apenas uma participação esporádica, seja em eleições, seja em referendos. Se existe uma dose de utopia em tudo isto, talvez seja bom lembrar que as grandes ideias são muitas vezes baseadas, elas próprias, em algo que parece impossível de alcançar.

Em dois anos, formalmente, podemos não parecer muito diferentes, mas a realidade é que as visões da política e dos políticos mudaram duma forma substancial, exigindo transformações que permitam às populações envolverem-se mais no destino do seu próprio país. Como começar? Pela origem de tudo, as comunidades locais que se foram perdendo, onde muitas coisas acontecem e onde muitos problemas como drogas, delinquência, fome e desemprego podem começar a ser resolvidas. Desta pequena esfera, passamos para outras maiores, até chegar ao que chamamos poder central, mas que na verdade não se pode manter dessa forma, pois apenas tem de ser um regulador e um motivador.

Em Portugal, cometemos um pecado capital que é o de achar que o sistema político, o Estado e os Governos têm de resolver tudo, mas a realidade é que isso é um desresponsabilizar e um retirar de poder pessoal que os cidadãos contêm em si mesmos. Precisamos, cada dia mais, de nos responsabilizarmos pelos nossos actos, pelas nossas escolhas e desafios, mas, ao mesmo tempo, de assumir o poder que, enquanto cidadãos, temos, pois apenas isso permitirá a mudança que tanto procuramos que seja efectivada.

Em dois anos, acredito, caminhamos para a possibilidade de uma mudança de estrutura política que, se for bem aproveitada, poderá fazer de Portugal um país mais justo, mais equilibrado e na vanguarda da Política, trazendo-a para aquilo que é realmente importante, a organização e a administração do Estado em prol da sua nação. Sem a nação, o Estado nada é, mas sem Estado a nação não se consegue desenvolver. Contudo, a nação é o reflexo dos seus cidadãos e isso demonstra-nos que, quanto mais fracos e desresponsabilizados os cidadãos são, menos a nação se consegue desenvolver.

Não se trata de nacionalismos, nem de patriotismo, trata-se tão-somente do desenvolvimento de uma estrutura que, na realidade, pode e deve desenvolver-se por si mesma, ainda que se ligue a um todo global do qual não nos podemos afastar. Se cada nação conhecer-se e desenvolver-se, pode contribuir para o mundo com as suas mais-valias e criar, através disso, um mundo mais estável e pacífico. Para que cada nação se conheça, cada cidadão tem também de se conhecer, tem de acreditar em si e assumir o seu papel individual. Resta-nos, por isso, perceber se teremos a capacidade de fazer o necessário para nos assumirmos como cidadãos em prol de uma nação.

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