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Ego Sum

Ressurge no século XV com o Renascimento o revivalismo do mundo clássico,e através deste movimento, a perspectiva crítica e a racionalização do indivíduo enquanto Eu, uma reminiscência da Filosofia clássica.

Este sentimento do Eu, hoje tão familiar, e para muitos um objectivo de vida em si próprio, foi, até aquele momento e durante um milénio, reprimido pelo poder secular e pelo poder temporal, definindo estes, através da instituição dogmática, os destinos do Homem enquanto todo.

Esta nova noção filosófica do ser humano enquanto ser multidimensional e polímata conflituava directamente com os dogmas criados pelos poderes secular e temporal que, vendo-se irreverentemente e inteligentemente assolados pelos anteriormente escravizados, foram aluindo debaixo do seu próprio peso, e da sua incapacidade de se adaptarem a esse admirável mundo novo.

Esta nova abordagem filosófica de contestação do dogma transforma-se com o tempo, amplificada pela disseminação e vulgarização do acesso ao conhecimento, e, no decurso do século XVII surge o movimento Iluminista que, no decurso do mesmo século e de forma espectacular, abre caminho para uma série de conquistas civilizacionais.

A Independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa vêm demonstrar de forma brilhante e estrondosa a necessidade do Homem se libertar, simultaneamente enquanto indivíduo (Eu) e enquanto pertença da comunidade, dos arcaicos deuses e reis, colocando-se a si próprio enquanto senhor da sua própria condição e destino.

Tal noção fica imortalizada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (que mais tarde – 1948 – se cristalizaria na Declaração Universal dos Direitos Humanos), onde se define claramente a noção do Eu, e das limitações da sua própria liberdade quando confrontada com as dos outros.

Pavimentado o caminho, é no século XIX que Sigmund Freud define aquilo que comummente designamos como personalidade: uma noção do Eu constituída por três entidades distintas: o Id, o Ego e o Super-ego. As três estabelecem entre si um equilíbrio dinâmico cujo fiel é o Ego.

Enquanto que o Id é todo instinto hedonista, aparentemente ilimitado, o Super-ego é sublimado e criado pelo que é exterior à personalidade, fundamentalmente nos primeiros anos de vida. O Super-ego é constituído pela tradição, as regras, as normativas sociais que nos são impostas pelos pais, pelos nossos pares, pela noção de autoridade criada pela sociedade – é uma criação social.

Cabe assim ao Ego propriamente dito, e enquanto única entidade “consciente”, balancear a relação antagónica e distópica entre os outros dois. O Ego é a única entidade que, em tempo real, e em pleno contacto com a realidade, organiza as outras duas em torno de um equilíbrio dinâmico que lhe permita subsistir enquanto indivíduo e enquanto ser social.

Ulteriormente, e tendo em conta a discrepância entre as três entidades, podemos dizer que a maioria dos nossos actos e gestos têm como objectivo último satisfazer os desejos primários e selvagens do nosso Id, e que o papel das restantes entidades é de mero contrapeso do primeiro.

Enquanto que o Super-ego tradicionalmente choca directamente e estrondosamente com o Id, o Ego tenta sopesar tudo o que está envolvido, e, de forma consciente, cria cenários que permitam a personalidade sobreviver – individualmente e enquanto ser social.

Eventualmente podemos dizer que, de uma forma claramente reduzida aos seus elementos mais básicos, todas as coisas identificáveis e tidas como definíveis que encontramos na sociedade podem ser reduzidas a esta forma simplista – são meros espelhos das construções da personalidade Freudiana.

Já para Carl Jung, o ego não é uma noção perfeitamente estática, é um processo evolutivo e constante, que se principia numa noção diferenciada entre o Ego e o Eu, processo iniciado com o nascimento da identidade, para evoluir, mais tarde na vida, para uma noção inclusiva do Eu, orientada para o Eu, onde se desenvolve todo um conjunto de processos de reconhecimento e clarificação do Eu.

Não sendo mutuamente exclusas, as duas propostas aparentam não divergir na caracterização do Eu enquanto entidade evolutiva, ou se não, pelo menos em constante adaptação a si própria, e à entropia que o mundo exterior imprime no Eu.

É, porém, inegável que a noção do Eu é uma dependência indirecta do mundo que nos envolve, seja pela necessidade comum de integração social, quando o Eu carece de uma existência em sociedade, seja pela necessidade de coexistência pacífica com a noção de conjunto que os restantes “Eus” têm para o conjunto que formam, estruturando o mundo que, inevitavelmente, somos obrigados (ou não) a partilhar.

Assim e conforme o ritmo do mundo que nos envolve se acelera ad infinitum, a adaptabilidade do Eu à realidade experienciada carece cada vez mais de uma flexibilidade que lhe permita integrar a noção de Eu com maior rapidez. Esta característica inevitavelmente origina um distanciamento maior entre os “mais adaptáveis” e os “menos adaptáveis” – na perspectiva da integração do Eu no todo, em conformidade com a capacidade de flexibilizarmos esse Eu à realidade mais comum (é atroz a similaridade deste processo com o postulado por Darwin na Teoria da Evolução das Espécies).

À medida que a Humanidade cresce e o fluxo de informação (e por inerência a maior quantidade de “Eus” que molda o mundo em regime de simultaneidade) se intensifica ao ponto de o “agora” do outro lado do mundo ser o “agora” de onde estamos, assiste-se simultaneamente a uma dissolução das diferenças entre os seres humanos para os “mais adaptáveis”, enquanto que os “menos adaptáveis” vão ficando para trás, muitas das vezes agarrados a um novo “dogma” que lhes permita com maior facilidade integrar o seu Eu.

E assim, lenta, mas inexoravelmente, o mundo polariza-se, frisando o que nos separa, ao invés de convergir.

Talvez este processo seja, no fundo, um retrocesso, onde o ultimar da integração do Eu signifique para uma parte da sociedade o desaparecimento individual, e finalmente tenhamos descoberto o limiar da adaptabilidade do Eu à realidade, e ulteriormente tenhamos de escolher entre o todo ou o indivíduo. Ou talvez a necessidade de adaptabilidade do Eu à realidade nos leve a novos limiares de consciência, limiares esses ainda inexplorados.

A verdade é que a polarização do mundo, neste sentido de melhor reflectir a adaptabilidade do indivíduo à realidade experienciada, cria novos estigmas, novas divergências, novos abismos, e consequentemente novos dogmas.

Um espelho deste novo mundo é a realidade vivenciada nas redes sociais – olhadas como um “mal necessário”, a sua própria existência e filosofia de gestão é paradoxal e, não obstante, perpetuada, servindo novas vozes, novas dissonâncias e novas modas, em conformidade com as veleidades de gestores, de políticos, de “figuras públicas”, ou do último acontecimento marcante da actualidade.

E não obstante as recriminações, as ameaças veladas, uma maioria “silenciosa” mantém e alimenta os processos aqui gerados, incrementando perspectivas, políticas, visões discrepantes, discussões inúteis em prol de objectivos obscuros, muitas vezes inentendíveis.

E em todo este processo vivencial, incessantemente em busca do nosso Eu nos outros, na nova moda, na nova guerra, no novo escândalo político, traição e divórcio de uma qualquer personalidade obscura, numa nova angariação de fundos em prol de algo, perdemo-nos a maioria das vezes num ténue gesto que (nos) signifique uma mera noção de participação no colectivo que permita esse Eu sentir-se acalentado, e permitir-se assim almejar um novo dia. Ou então entramos em crise com estes “espelhos”, eremitas do hoje, em guerra declarada com tudo e todos os que nos envolvem, samurais da identidade, que se perdem inutilmente na busca de algo que o separe e distinga, mesmo que esse algo não faça parte do seu Eu.

Ulteriormente podemos assumir conclusivamente que a disseminação da informação presente neste admirável mundo novo acabou por diluir o Eu no ruído que o envolve, perdendo-se aquele equilíbrio dinâmico outrora postulado pela filosofia e a psicologia, onde o Ego era o fiel de uma balança entre o nosso íntimo e o dos outros, numa constante e recorrente adaptação, em busca de um ideal sem forma definida, mas que (de alguma forma) nos definia.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.
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