E se não fosse eu

Vivemos os nossos dias tranquilos. Outras vezes até não. De repente, por um segundo, tudo muda. Cruzamo-nos com alguém que sem pré-aviso agita o nosso mundo e de repente sentimo-nos no auge, alegres, felizes, as emoções estão ao rubro e a nossa cabeça pensa e reflecte numa batalha constante com o nosso coração.

Acendem-se uma série de avisos dentro de nós. De incertezas, de feridas do passado que pensávamos estarem curadas e afinal não estão, de anseios por melhores dias e que agora sim, talvez sim, possamos dar e receber com a dignidade própria de quem já deu ou recebeu de mais e de menos.

Caminhamos com um sorriso estúpido na boca, de tez altiva e olhos fechados a sentir o vento e apercebemo-nos que o amor é assim, que as incertezas geram mais incertezas, que o calor gira e bate forte no peito, que o que sentimos corporalmente ao dizer sim à vida é completamente o oposto de quando dizemos não. O amor agita. O amor desquadricula. Se não mexe, não é amor.

Com os dias a passar, com as emoções novas a viver, queremos apresentar aquele que achamos que é o nosso melhor eu, a força motriz de todas as nossas acções, de todas as nossas palavras, a expressão maior dos nossos sentimentos. Mesclamo-nos no outro, na intenção do outro, na linguagem única e universal de nós.

Queremos controlar. Evitamos mágoas, sensações desagradáveis que um dia já foram as nossas. Esquecemo-nos da regra básica e mais importante: não há controlo no amor. O único controlo que existe é sobre nós mesmos. Na certeza única da entrega, apesar dos medos, de um dar sem esquecer nunca que o receber saudável tem de estar presente e principalmente, sem esquecimentos, temos de estar lá.

É que sabem, na entrega ao outro, na incerteza do outro, na insegurança da mágoa, é fácil, muito fácil, esquecermo-nos de quem somos, de querermos ser perfeitos só para agradar. Nessa busca da perfeição, a médio e longo prazo há o risco maior de nos perdermos a nós. E assim perdermos a quem tanto tentámos agradar.

Quando é amor, verdadeiro amor, o que mais se busca é a essência, a verdadeira essência, daquilo que sem conseguirmos decifrar conseguimos visualizar na pessoa que tanto mexe agora com as nossas intenções.

Quando nos perdemos no outro perdemo-nos de nós. Essa é uma das grandes lições que nós, imperfeitos humanos, devemos constantemente aprender através de amar. Não é necessária a perfeição. Ao sermos imperfeitos também mostramos que temos fragilidades e essas fragilidades fazem parte de quem somos.

Ao sermos imperfeitos, mas genuínos somos a expressão máxima daquilo que o outro pode amar. Com entrega, sem ilusões. Somos assim a verdadeira e inexplicável potência da entrega no amor. A de que sem sombra de dúvidas, somos nós próprios, porque também nos amamos a nós.

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