O Caso Spotlight derrotou o favorito The Revenant: O Renascido e foi eleito o melhor filme do ano.
Sabemos que os Óscares são para a indústria, mas cada vez mais o prémio de melhor filme tem sido entregue, com algum entusiasmo, a um filme independente (Birdman, 12 Anos Escravo são os anteriores e mais recentes exemplos), daí que seria de prever de alguma forma o triunfo de O Caso Spotlight, que também levou o prémio de melhor argumento original, ficando-se apenas com duas estatuetas douradas. É notável o feito de Tom McCarthy enquanto cineasta e argumentista do mesmo, um filme que vale pela capacidade de conduzir-nos pelas suas inúmeras encruzilhadas e pelo significado do que é ser jornalista nos dias de hoje. Um filme sobre a profissão que nem sempre tem o quarto poder que lhe é devida, no sentido de denunciar escândalos e abusos de poder. Este é um caso muito específico que consegue tocar a questão social ao mesmo tempo que se conceptualiza na obra de arte, cuja essência reside na fórmula narrativa que utiliza, homenageando clássicos do jornalismo como Os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula.
Mesmo assim, e como raras as vezes acontece, os nossos favoritos ficam-se apenas pelas nomeações. Esse pequeníssimo requinte e objeto de estudo que é claramente Quarto apenas conseguiu levar para casa a estatueta dourada de melhor atriz (Brie Larson), que no seu discurso relembrou a importância das pessoas que vão ao cinema, sim todos nós, e com os quais nada disto seria possível.
“I’m here at the Academy Awards, otherwise known as the white People’s Choice Awards. If they nominated hosts, I wouldn’t even get this job. Y’all would be watching Neil Patrick Harris right now.”, Chris Rock
Na verdade, foi uma cerimónia bem mais interessante que a do ano passado, não atinge o patamar daquela apresentada por Ellen DeGeneres em 2014, mas Chris Rock e o seu discurso sobre a diversidade, ou sobre a não diversidade, ou sobre um ator que é ele próprio espelho da diversidade em Hollywood, Jack Black, valeram infinitas gargalhadas na plateia e nos lares que ainda tinham a televisão ligada. Rock manteve-se bem no desempenho e ainda brincou com o facto de outros atores negros terem recusado aparecer (Will Smith, Jada Pinkett Smith é que levantaram a polémica), mas sem esquecer os passos que deverão ser tomados.
De salientar também a presença de uma espécie de outsider, Stacey Dash, uma atriz de televisão de 49 anos que literalmente invadiu o palco e deixou todos bem caladinho, transformando-se num dos momentos mais surreais da noite. Depois houve vendas de bolachas, outras piadas e vídeos sobre a diversidade e mais diversidade. Talvez o seu discurso tenha pecado por tão pouca diversidade.
Sem surpresas, Alejandro G. Iñarritu recebeu o prémio de melhor realizador, feito admirável e claramente histórico ao ser o terceiro cineasta a conseguir um Óscar na respetiva categoria pelo segundo ano consecutivo, depois de John Ford com As Vinhas da Ira e O Vale era Verde e Joseph L. Mankiewicz com Carta a Três Mulheres e Eva. Iñarritu é, sem sombra para dúvidas, um autor complexo na capacidade revigorante de contar tão diferentes e singulares histórias. Para falar a sério, nenhum dos nomeados (George Miller, Adam McKay, Lenny Abrahamson, Tom McCarthy) estava à altura deste mexicano, que deu com The Revenant: O Renascido mais uma prova da sua não limitação a um género cinematográfico. Inclusive, Iñarritu tornou o discurso sobre uma diversidade abrangente a todas as raças e culturas.
Entre todo o mais foi com alguma surpresa que Alicia Vikander foi galardoada com o Óscar de melhor atriz secundária. A sua performance em A Rapariga Dinamarquesa é fundamental e vejamos o ano que a atriz teve, mas não é um desempenho verdadeiramente secundário, mas sim principal. Aqui pesa lamentavelmente mais a política/pressão de estúdios. Kate Winslet é que deveria ter recebido o troféu por Steve Jobs, o filme mais esquecido dos galardões, com destaque para o seu argumento adaptado, um dos melhores da década, cuja escrita de Aaron Sorkin valeu de nada em relação à temática social que toca A Queda de Wall Street e que deixou algum sabor amargo na sua vitória.
É lamentável como vemos cada vez mais uma entrega deste e outros prémios a meros objetos fílmicos espelho do contexto social, quando é muito mais do que isso quando falamos em cinema. É certo que as maioria aplaude estes filmes, situação que se repetirá em cerimónias vindouras, mas um grupo minoritário refere que é necessário prestar mais a arte. Pela mesma razão e também desapontante não ter visto nenhum membro da equipa técnica de Carol ou de Brooklyn a receber um Óscar, filmes que repercutem a metodologia do melodrama clássico.
Épico foi a derrota de Sylvester Stallone por Creed: O Legado de Rocky, que não recebeu o Óscar de melhor ator secundário. Lady Gaga a ter uma prestação digna, mas cuja música ficou de lado quando “Writing’s on the Wall” recebeu justamente o galardão e o notável feito de Mad Max: Estrada da Fúria ao tornar-se o filme australiano com mais vitórias nos Óscares. Só de lamentar que Ex Machina tenha ganho melhores efeitos especiais quando comparado ao filme apocalíptico dirigido por George Miller.
Entre os melhores discursos da noite, nada melhor que os ouvir, destaque para Alejandro G. Iñarritu, Leonardo DiCaprio, Brie Larson e Ennio Morricone, que deixou a plateia em lágrimas.
LISTA COMPLETA DE VENCEDORES
Melhor Filme
O Caso Spotlight
Melhor Realizador
Alejandro G. Iñarritu por The Revenant: O Renascido
Melhor Atriz
Brie Larson por Quarto
Melhor Ator
Leonardo DiCaprio por The Revenant: O Renascido
Melhor Atriz Secundária
Alicia Vikander por A Rapariga Dinamarquesa
Melhor Ator Secundário
Mark Rylance por A Ponte dos Espiões
Melhor Argumento Original
Josh Singer & Tom McCarthy por O Caso Spotlight
Melhor Filme de Animação
Inside Out – Divertida-mente, de Pete Docter e Jonas Rivera
Melhor Filme Estrangeiro
O Filho de Saul (Hungria), de László Nemes
Melhor Curta-Metragem de Animação
Bear Story, de Gabriel Osorio e Pato Escala
Melhor Documentário
Amy, de Asif Kapadia e James Gay-Rees
Melhor Curta-metragem Documental
A Girl in the River: The price of forgiveness, de Sharmeen Obaid-Chinoy
Melhor Curta-Metragem (Live Action)
Stutterer, Benjamin Cleary e Serena Armitage
Melhor Fotografia
Emmanuel Lubezki por The Revenant: O Renascido (terceira vitória consecutiva)
Melhor Montagem
Margaret Sixel por Mad Max: Estrada da Fúria
Melhor Banda Sonora Original
Ennio Morricone por Os Oito Odiados
Melhor Canção Original
“Writings On The Wall”, do filme “007 Spectre”, música e letra de Jimmy Napes & Sam Smith
Melhor Edição de Som
Mark Mangini e David White por Mad Max: Estrada da Fúria
Melhor Mistura de Som
Chris Jenkins, Gregg Rudloff e Ben Osmo por Mad Max: Estrada da Fúria
Melhor Direção Artística
Colin Gibson e Lisa Thompson por Mad Max: Estrada da Fúria
Melhores Efeitos Visuais
Andrew Whitehurst, Paul Norris, Mark Ardington e Sara Bennett por Ex Machina
Melhor Guarda-Roupa
Jenny Beavan por Mad Max: Estrada da Fúria
Melhor Caracterização
Lesley Vanderwalt, Elka Wardega e Damian Martin por Mad Max: Estrada da Fúria