E depois do Adeus: Os Extraordinários

As marcas que ficam no mundo, deixadas por quem teve pós de magia, são aquelas que ajudam a encontrar caminhos quando as trevas se tornam mais pesadas. Dotados de uma rara sensibilidade e capacidade de chegar a muitos, quando deixam de respirar, ainda assim, continuam a amainar as tempestades.

David Bowie

David Bowie partiu para outras paragens e deixou-nos atónitos. Não foi um duro adeus, mas somente um até já. Não gostámos. Isso não se faz. Tinha acabado de lançar mais um álbum, mais uma obra para ouvir, ler e tão bem sentir. Como se atreveu ele a uma coisa destas?

Ele, na verdade, explicava o que iria acontecer, fazia-nos sentir o que se estava a passar, avisou, mas, como sempre, só ouvimos aquilo que nos interessava. Ainda estávamos em Marte com ele e o resto não interessava.

Que importa que 1969 tivesse a “Space Odity” se pegasse ao ano seguinte? Era ele, “The Man who Sold the World” que estava ali, o camaleão do rock, o tipo da renovação que durou um fio ou uma eternidade. Único. Excepcional.

David Robert Jones era um intelectual, o homem dos sete instrumentos e da paixão sem fim. Vocalista, guitarristas, saxofonista, mago do teclado e da percussão, dava tudo.

Aquela personagem, quase mítica, tem-nos acompanhado ao longo de cinco décadas, marcado uma posição e lançado os seus feitiços por todo o lado. Soube-nos sempre bem, muito bem. Queríamos mais e ele ouvia-nos. Sempre mais.

Ziggy Stardust“, “Aladin Sane” e tantos outros, fizeram as delícias dos que tinham coração para ouvir, “Heroes” será um hino intemporal bem como uma outra canção, “Ashes to Ashes“. Um gentleman que sabia viver muito bem “Under Pressure“.

Esta relação amorosa, este casamento musical não era para ser desfeito nem apartado. Tudo era novo e a rotina nunca se instalou. Novas e belas formas de relacionamento iam surgindo, colocando-o sempre em destaque. Não era o elemento dominante, mas dominava-nos completamente.

Nunca lhe agradecemos correctamente, nunca lhe dissemos como ele era importante para nós. Fomos mal-educados, rudes e tornámo-nos possessivos. Ele era só nosso, meu e de mais ninguém. Como estávamos cegos de amor! Ele, com o seu peculiar sorriso, que direccionava para um lado e para o outro, mantinha-nos na ordem.

Crianças grandes que somos não aprendemos a lição, mas ele ensinava uma vez mais. E foram tantos os ensinamentos que agora sentimos a sua falta. Ficámos numa situação que nos tirou o chão. E agora?

Agora é tempo de lhe agradecer, de passar a sua palavra, de ensinar as gerações vindouras, de partilhar as nossas experiências, de o tornar obrigatório. A sua música não se calará nunca e é sempre, incrivelmente, actual. Ele sabia que a lição estava ensinada e que a iríamos aprender.

Com a sua partida trememos com medo do futuro, medo de nos sentirmos desamparados, de não termos aquela mão para nos guiar, aquela estrela imensamente brilhante que nos dizia o que fazer.

Há anos que se iniciou o luto, mas tão diferente do que se podia esperar. Não nos vestimos de preto nem ficámos recolhidos ao lar. Não deixamos de falar com os outros e chorámos em silêncio. Não quisemos a dor só para nós.

O nosso luto foi com as suas músicas, com os seus personagens, com o Major Tom, com todas as memórias que ele nos criou, com as alegrias que sentimos, com as tristezas que repartimos, com o fluxo de energia que ele nos foi passando.

Chorámos lágrimas estranhas, tão complexas e difíceis de entender, lágrimas de gratidão, de arrependimento de não o termos guardado mais próximo de nós. Foi então que percebemos que ele estava lá, a olhar para nós, a sorrir-nos.

Queríamos que ele continuasse aqui, como um pai que nunca abandona o filho e percebemos que sempre assim foi. Nunca nos falhou, nunca nos deixou, não partiu, nunca nos decepcionou, ficou.

Sempre que o ouvimos, voltamos a viajar no tempo e recordamos o ser tão camaleónico que sempre foi, a sua imagem extraordinária e icónica, o seu magnetismo possante, o carisma único. Os seus olhos expressivos lançavam desafios que eram aceites.

Agora, com tempo de luto, sabemos que a sua marca é indelével, a sua vida é de todos, ele é nosso, um legado mundial, um testamento poderoso que deve ser preservado cuidadosamente.

Nós, os seus herdeiros temos de o cuidar, de passar a mensagem, de o honrar devidamente. Ele nunca o pediu, mas sabemos que é o mais certo, que é uma forma de manter a sua pessoa viva.

Aqueles que amamos nunca morrem, simplesmente ficam mais longe, não os vimos. Porém, com ele podemos manter este relacionamento especial ouvindo a sua música, cantando com ele e sentindo as vibrações da sua mente fabulosa e tão generosa que nos legou tanto!

Assim relembramos o homem das mil caras, das mil posturas, o homem que se soube impor e cativar tantas pessoas que se fascinavam com aquilo que transmitia. Nunca era igual e o amor ia aumentando transportando-nos para lugares nossos.

Vivemos em paraísos com ele, com sapatos vermelhos, com roupas muito extravagantes e fomos tudo o que quisemos porque ele nos deixou, porque ele nos motivou, porque ele nos ensinou que o caminho era em frente.

Conhecemos a “China Girl“, tivemos um “Modern Love” e abanámos muito, “Dancing in the street“. Tudo isto, porque fomos “Absolute Beginners“, num mundo especial que ainda não estava preparado para as ” Changes ” que ele introduziu.

O futuro é agora e estamos de cabeça erguida, olhar em frente e carregados de forças que acumulámos com ele, com a sua herança, com a sua mensagem intemporal. Somos mais fortes e sabemos de onde vem essa força. Obrigado, David Bowie!

Ziggy plays the guitar so let`s dance!

George Michael

Cantor britânico, nascido em Londres a 25 de junho de 1963, foi baptizado com o nome de Georgios Kyriacos Panayiotou, identificação estranha e que não lhe daria grande relevo enquanto músico. Mudou para George Michal, sonante e vibrante.

Filho de uma bailarina, o que deve ter sido uma forte influência, passou a sua infância no norte de Londres e, quando atingiu a adolescência, mudou-se para Radlett.

Estudou na Bushey Meads School, onde conheceu Andrew Ridgeley, com quem formou a banda “Wham!“, em 1981. Da banda, surgiram sucessos como “Wham Rap“, “Young Guns“, “Wake Me Up Before You Go-Go” e “Everything She Wants“, temas que todos conhecem e dançaram.

Lançou a sua primeira música a solo em 1984, “Careless Whisper“. Chegou aos tops, nos anos 80, conseguindo alcance mundial. Em 1987 gravou “I Knew You Were Waiting“, ao lado de Aretha Franklin. Ainda nesse, lançou “Faith“, o seu álbum de estúdio. O trabalho rendeu-lhe um Grammy de Melhor Álbum, em 1988, e vendeu milhares de cópias.

Em 1990, lançou “Listen Without Prejudice: Vol. 1“, o seu segundo disco. Nesta época, recusou-se a dar entrevistas e a usar a sua imagem nos seus vídeos. Processou a Sony, por escravidão profissional, mas perdeu o caso em 1993.

A sua vida pessoal andava um pouco perdida e desorientada pois foi preso, em 1998, por atentado ao pudor, imagine-se, numa casa de banho pública. A sua imagem sofreu um abalo, mas conseguiu levantar a cabeça e seguir em frente.

Em 2004, após lançar o disco “Patience“, que vendeu apenas 3 milhões de cópias, declarou que as suas músicas seriam divulgadas na internet. No ano seguinte, anuncia o seu casamento com Kenny Goss.

2006, foi o ano em que lançou o documentário “George Michael: Minha História” e fez uma grande digressão para comemorar os 25 anos de carreira, além de lançar a colectânea “Twenty Five“.

Em 2008, teve a carta de condução apreendida, durante dois anos, por conduzir sob o efeito de drogas. Dois anos depois, foi condenado a oito semanas de prisão por ter sido apanhado a conduzir, do mesmo modo, tendo causado um acidente.

Foi internado numa clínica de reabilitação na Suíça em 2015, para se libertar do vício das drogas. A sua vida estava um caos e o encanto, que era seu apanágio espalhar, redundava agora em tragédia e miséria humana. O tempo deixou-lhe marcas dolorosas e difíceis de aceitar.

Em 25 de Dezembro de 2016, somos acordados para uma dura realidade. O seu coração tinha parado. A morte bateu-lhe à porta, levando-o para sempre. Um dia de Natal que ficou como o último de todos, mas jamais esquecido.

Contudo, o seu manto de bondade, era um incorrigível romântico, não acabou. Deixou indicações bem precisas para que, na zona onde morava, todos os anos, o Natal fosse comemorado na rua com os vizinhos e, a sua parte menos conhecida, com os sem abrigo.

Nicolau Breyner

Alentejano de Serpa, filho de proprietários agrícolas, vai viver para Lisboa com os pais e o avô materno. Aí estuda canto na Juventude Musical Portuguesa e faz os estudos no Liceu Camões. A ideia final era estudar Direito e ser diplomata. Contudo ficou apenas na ideia pois abandonou esse curso para frequentar o outro o de Teatro do Conservatório Nacional.

Estreia-se no teatro, ainda como aluno, sob a direcção de Ribeirinho. Passa para o Teatro Moderno de Lisboa, onde contracena com nomes bem-sonantes, como Ruy de Carvalho, Armando Cortez, Cármen Dolores e Manuel Cavaco.

Rapidamente passa para o teatro de revista, a convite de Vasco Morgado. O ABC vai dar-lhe visibilidade com os seus papéis cómicos. Um grande sucesso.

Não será excessivo falar dos seus inúmeros e muito acarinhados programas televisivos.

“Eu Show Nico”, “Euronico”, “Gente fina é outra coisa”, “Nico D’Obra”, que fizeram as delícias de muitos e ainda séries como “O Conde D’Abranhos”, “João Semana”, “Equador” e tantas outras.

Nas novelas, destaque para ” Vila Faia “, onde a sua personagem, um homem bruto. mostra a mais pura das bondades e sensibilidades Esta foi a primeira das nacionais. Seguem-se outras como “Cinzas”, “Origens”, “Verão quente” e muitas mais.

“Nicolau no País das Maravilhas” nasce e é o local onde faz parceria com um jovem Herman José, criando a dupla “O Senhor Feliz e o Senhor Contente”. Uma rampa de lançamento para o desconhecido e um marco na televisão.

Tornou-se, além de actor, director e autor. Funda a NBP, agora com o nome de Plural, que administrou até ao final da sua vida. Um homem multifacetado.

Regressou ao teatro em 2005 com a peça “Esta Noite choveu Prata”, um monólogo. Participou em cerca de cinquenta filmes. Recebe a condecoração de Grande Oficial da Ordem de Mérito e ainda, a título póstumo, e de Grande Oficial Infante D. Henrique. “Os gatos não têm vertigens”, um filme cheio de magia e doçura, acabou por ser uma metáfora do final da sua vida. A vida cheia que teve tem ainda muito poder para se relembrar.

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