Quando liguei a televisão, foi-me dado a ver uma extensa fila de camiões com contentores que aguardavam a entrada no Terminal de Leixões. A acumulação e a demora eram causadas pela mudança de sistema de gestão do terminal que não tem corrido da melhor forma. Um senhor falava sobre este tema e dizia com ar visivelmente abatido: a situação “agonizou-se”. Nos desenhos animados poder-se-ia esfregar os olhos, mas neste caso eram os ouvidos que poderiam levar uma esfregadela. “Agonizou-se” deve ser um vocábulo gerado por aglutinação: agudizou-se + agonia = agonizou-se. Um neologismo, uma agonia aguda, portanto. Percebido.
O facto de se ter tempo de antena pode resultar nisto. Por um lado, expor claramente os nossos lapsos verbais ou gramaticais, constantes ou derivados de um pontual nervosismo. Por outro, na tentativa de se falar de forma mais eloquente, pode-se obter precisamente o oposto, sobretudo se essa capacidade não nos é inerente. O efeito da exposição é facilmente observável nas entrevistas de rua realizadas a determinadas figuras femininas de uma região amplamente conhecida pelo uso de palavrões. A senhora está sossegadita na vida dela, mas assim que vê uma câmara, solta o vernáculo de forma efusiva, em som e em conteúdo. Reparem nisso…
Contudo, aquilo que acho tremendamente caricato é a tentativa de impressionar alguém pelo uso erudito da linguagem, tanto mais ridículo quanto menor a capacidade de o fazer. Ou talvez seja mais ridículo, ou antes profundamente lamentável que, aqueles que tiveram acesso a educação ou, sendo autodidatas, e tendo por isso atingido um nível elevado de vocabulário, o usem de forma ad hoc (1) para convencer terceiros do seu bem-falar. Estou-me aqui a rir enquanto escrevo em latim. Vestindo a pele do diabo, resolvi colocar-me nesse papel que tanto me irrita, só para ver ao que sabe. Não aprecio, confesso. Demasiado sal.
Claro que há situações em que o uso de vocábulos respeitáveis faz sentido, como no meio académico ou técnico, mas daí a usarem-se na mais corriqueira conversação um palavrão em latim, já me parece pedante. Do género: precisava dum orçamento para esta obra, assim grosso modo (2), só para ter uma ideia. Ou em conversação política: isto só lá vai com alterações, mutatis mutantis (3). Ou comentar a inflação com recurso a um ceteris paribus (4). Oscilo entre o snob e …o parvo. Fico-me por este último. A única coisa que me ocorre responder é um Ora pro nobis (5) ou um banalizado E Pluribus unum (6), em clara contraposição, para que percebam o despropósito. Tenho mau feitio, eu sei.
Há dias, fui a um cafezinho integrado num supermercado de grande superfície. O atendimento era confuso e desorganizado, as senhas eram alternadas entre a gastronomia (entendida como comida de prato), padaria e pastelaria. À minha frente um senhor resmungava entre dentes, até que falando alto, para quem o queria ouvir ou não teve outro remédio, debitou teorias de formação de filas de espera, capacidades e pontos de estrangulação, ostentando um pretensiosismo intenso. O que esta gente parece não se lembrar, é que os restantes podem ter iguais ou até maiores conhecimentos e pode literalmente estar a querer deslumbrar o príncipe com o burro. Ou ser apanhado em erros ou imprecisões. Enfim…
Li por aí que saber explicar por palavras acessíveis um conceito confuso é prova cabal (gostam de cabal?) de entendimento do mesmo. O que resulta no contrário do que venho referindo. Por outro lado, parece-me elementar que uma das máximas da comunicação será adaptar a linguagem ao interlocutor. A comunicação, a mensagem, deverá propiciar o entendimento, a objetividade e a clareza. Poderemos dizer a mesma coisa adaptando as palavras a uma criança, a um adulto com maior ou menor escolaridade, a um analfabeto ou a um doutorado, mediante obviamente o grau de entendimento.
A qualidade da palavra é importante, sobretudo quando usada de forma eficiente. Não obstante, há muito mais consideração a ser dada a quem, ao contrário de se usar de snobes articulações, se preocupa com a adaptação do que diz a quem diz. E essa é que é, de facto, uma condição sine qua non (7). Ahahaha
Notas explicativas:
1 – para esse efeito; 2 – de forma imprecisa; 3 – com as devidas modificações; 4 – tudo o resto constante; 5 – ore por nós; 6 – entre muitos, um; 7 – indispensável.