Num país em que a educação musical ainda é, por vezes, vista como supérflua ou mesmo como sinal de riqueza e puro snobismo, a música clássica sobrevive como só ela é capaz. As escolas de música e as orquestras escolares têm-se multiplicado, tornando-se elementos essenciais na divulgação da música e na formação de intérpretes e de compositores. Também os cursos de ensino articulado desempenham um papel fundamental ao aproximar o ensino regular do ensino artístico.
Diversos estudos mostram que ouvir ou praticar música clássica melhora a memória e a concentração, estimula o raciocínio lógico e matemático e desenvolve a disciplina e a sensibilidade artística. O famoso “efeito Mozart”, embora controverso, popularizou a ideia de que a música clássica pode auxiliar o desenvolvimento cognitivo. Tanto assim é que os concertos para bebés têm ganho crescente popularidade, reforçando a perceção de que a música tem impacto desde as idades mais precoces.
A música clássica explora uma ampla gama de emoções, da serenidade à intensidade, oferecendo uma experiência profunda de autoconhecimento e contemplação, muitas vezes associada à reflexão e ao equilíbrio interior. Apesar de ter origens europeias, transcende fronteiras culturais, sendo executada e reinterpretada em todo o mundo. Mantém-se viva há séculos, testemunho da sua universalidade e do seu poder artístico.
Nos últimos tempos, temos assistido tanto à democratização do acesso à música clássica como ao surgimento de teorias que questionam o seu carácter elitista, herança de uma tradição erudita europeia desenvolvida entre os séculos XVII e XIX. Trata-se, de facto, de uma arte nascida na Europa ocidental, associada a valores culturais, religiosos e sociais específicos dessa região. Por isso, é inevitavelmente eurocêntrica na sua origem, criada por e para as elites europeias de então. Contudo, isso não significa automaticamente que seja exclusivista.
As críticas dirigidas à música clássica baseiam-se em aspetos estruturais que merecem reflexão: o cânone clássico, as obras “sagradas” que sempre se tocam, é quase exclusivamente masculino, branco e europeu; a educação musical tradicional valoriza apenas essa herança, ignorando ou subvalorizando músicas de outras culturas; o ambiente dos concertos pode ser intimidante, mantendo um público socialmente homogéneo e algumas instituições resistem à inclusão de compositores e intérpretes de outras origens, tratando-os como “exceções exóticas”.
Por outro lado, há movimentos fortes dentro do universo da música clássica que procuram reverter esse eurocentrismo. Orquestras e festivais já programam obras de compositores africanos, asiáticos, latino-americanos e de mulheres — nomes como Florence Price, Samuel Coleridge-Taylor, Tania León ou Tan Dun. Músicos contemporâneos fundem tradições clássicas com jazz, fado, música tradicional ou eletrónica, criando novas linguagens. Programas educativos e de inclusão social, como o El Sistema na Venezuela ou a Orquestra Geração em Portugal e as Orquestras Escolares, provam que a música clássica pode ser simultaneamente democrática, inclusiva e transformadora.
Em Portugal, o futuro da música clássica depende da forma como a educação musical é encarada nas políticas públicas e nas comunidades locais. É essencial que as escolas regulares integrem de forma consistente a formação artística, não como disciplina menor, mas como componente essencial do desenvolvimento humano. A música ensina a escutar, a cooperar, a compreender o tempo e o silêncio, competências raras e valiosas numa sociedade acelerada e ruidosa ávida do imediato.
Importa também criar pontes entre a tradição e a inovação, entre a herança clássica e as novas expressões musicais, de modo a renovar o público e aproximar a arte das novas gerações. A digitalização e a globalização abrem oportunidades inéditas, como plataformas online, concertos virtuais e recursos pedagógicos acessíveis permitem que a música chegue a públicos antes afastados. Mas essa democratização só será verdadeira se acompanhada de uma educação auditiva e cultural, que ajude o público a compreender e valorizar o que ouve.
A música clássica, longe de ser um símbolo de elitismo, deve ser entendida como um espaço de encontro e de partilha, onde a diversidade cultural e o diálogo entre tradições se tornam centrais. Se soubermos escutar, perceberemos que a música clássica não pertence apenas ao passado europeu, mas ao presente humano. E que, talvez, a sua maior força resida precisamente na capacidade de unir aquilo que o mundo, tantas vezes, teima em separar.
Nota: Artigo escrito com o Novo Acordo Ortográfico.
