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Desencontro – Parte I

Há muito tempo que não se apaixonava a sério. Estava constantemente a apaixonar-se, mas há muito tempo que não era a sério e recíproco. Há muito tempo que não sentia as típicas borboletas no estômago, que não a beijavam como se não houvesse um amanhã, que não sentia que dominava o mundo só com um toque no corpo. As amigas diziam que ela só não arranjava alguém porque “não se mostrava”, o que quer que isso significasse. Não entendia, ou não queria entender. Ainda tinha uma versão muito infantil do amor, do príncipe encantado, de tudo no amor dar certo sem ser preciso trabalho. As amigas também explicavam que não era assim, que as relações davam trabalho, que as discussões eram normais, que não havia sempre sintonia. Oh, as amigas sabiam lá o que o amor lhe reservava a ela!

Foi aí que o viu.

Ele tinha acabado de passar à frente dela, com as suas calças de ganga rasgadas, a sua barba por fazer, o seu ar triste e melancólico. Ela há muito que reparava nele e que se sentia atraída por aquele rapaz que não conhecia. A verdade, mesmo que lhe custasse admitir, era que procurava o amor em todos os sítios e sentia-se atraída –ou apaixonada – com facilidade. Por um olhar, por um sorriso, por uma voz, por uma ideia. Quando procuramos o amor, às vezes parece-nos que ele está em todo o lado e, ao mesmo tempo, em lado nenhum. Como se tivéssemos medo de o perder, de não o encontrar, e procuramos tanto que cremos vê-lo num qualquer gesto, numa qualquer ilusão.

Mas ela não sabia isso. Não, correcção; ela recusava-se a perceber isso.

Seguiu-o com o olhar. Costumavam ir juntos no metro. Bom, não juntos-juntos; juntos porque iam no mesmo metro, à mesma hora, e às vezes olhavam um para o outro, sem querer, só para desviar o olhar a seguir. Nunca se tinham sorrido nem cumprimentado, mas viam-se ali, todos os dias, e conheciam a cara um do outro.

Ele aproximou-se demais da linha amarela. Passou-a. Ela sentiu nele um aventureiro. Ela nunca se chegava, sequer, à linha amarela, com medo de cair, sem querer, ou com um encontrão de um braço com pressa, de um saco descontrolado. Ele era aventureiro, talvez gostasse de sentir o perigo, o metro perto, o vento nos cabelos. Um bad boy.

Sem pensar, aproximou-se.

“Olá.”

E quando ele virou a cabeça para a enfrentar, ficou nervosa. Mas que raio? Porque é que se tinha lembrado de lhe falar? Tentou arrancar as peles secas dos lábios, abriu muito os olhos, com medo.

“Olá,” respondeu-lhe ele, com dúvida na voz, como se perguntasse o que é que ela queria.

Sentiu-se mais aliviada. Não a tinha ignorado. Puxou-o pelo braço, porque odiava estar tão perto da linha amarela. Quando o tocou, sentiu electricidade. Que clichê. Mas sim, sentiu-se eléctrica e quente e nervosa, e ao mesmo tempo com uma vergonha gigante. Sentiu que ele também devia ter sentido aquele choque, que era um sinal.

“Não tens medo?”

Arrependeu-se daquela pergunta assim que falou. Que pergunta parva! Que conversa poderia surgir daí? Que raio de figuras andava ela a fazer?

Ele encolheu os ombros, ainda a olhar para ela. Não falou. Talvez a estivesse a achar a maior idiota de todos os tempos.

“Eu morro de medo,” explicou ela. Tentou sorrir. Que idiota que sou, pensou, por favor não fales mais.

Ele sorriu para ela, os olhos brilharam, e ela pensou que talvez ele a fosse beijar. Seria possível? Talvez fosse amor à primeira vista! Os olhos dele brilharam e, sem explicar, virou costas e subiu as escadas, a correr.

Ela ficou petrificada. Não sabia o que pensar. Teria sido assim tão terrível que tinha afugentado o rapaz?

O metro chegou. Ela olhou para as escadas, na esperança que ele voltasse, mas nada. Talvez ela lhe pedisse desculpa. Ou talvez algum buraco a engolisse, teria sido bem melhor! Entrou no metro. Olhou em volta, para algumas caras conhecidas de outros dias. Pensou que o amor não era para ela, e sentiu um nó tão grande na alma que teve vontade de chorar, ali, no meio daquelas pessoas. Olhou em volta, triste. Inconscientemente, à procura de novo.

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