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Desculpa Lara

A pressa de viver faz com que não se coloque travão a tempo de evitar os acidentes e a maiores desgraças.  A semana que se iniciou no dia 4 de Fevereiro tem sido repleta de situações que levam a reflectir sobre a condição humana. E se pensamos que sabemos alguma coisa, a vida faz sempre o favor de nos tirar essas falsas ideias da cabeça.

Querer ter uma família nada tem de errado e é uma opção de vida como outra qualquer. No entanto é necessário que existam condições mínimas para que tal possa acontecer. E quando chegam os filhos, esses seres pequeninos e mágicos, as responsabilidades são acrescidas e maiores. É um ser que depende de quem o desejou, que está vulnerável e precisa de ser ensinado a fazer tudo. Leva tempo e deve ser feito com calma para ficar menos tosco.

Os pais não nascem prontos a exercer esse estatuto têm que aprender a ser e ninguém é perfeito, mas tenta o seu melhor. Educar é complexo e é um caminho feito de avanços e recuos bem como cheio de altos e baixos. Contudo, quando há amor a tarefa afigura-se sempre mais suave e apetecível. Um filho precisa de se sentir amado para encontrar segurança e conforto.

Nem sempre os pais se entendem, mas o filho, ou os filhos, devem ficar num território neutro e não ser o joguete entre progenitores desavindos. A alienação parental passa para o primeiro plano e não o bem-estar dos rebentos que são os inocentes de toda a contenda. E pode tornar-se algo de violento e perigoso. Não deve ser assim, mas o seu oposto.

Esta semana ficámos chocados com a brutalidade e a frieza com que um pai se prontificou a acabar com várias vidas incluindo a sua. A contenda familiar já se arrastava há dois anos e mesmo tendo sido apresentada queixa, por violência doméstica, as instâncias competentes entenderam que não havia motivo suficiente para averiguações e o caso foi arquivado.

Estamos perante a ausência de culpa dos que deviam ter zelado pelo bem-estar daquela família. Nessa mesma segunda feira estava agendada uma audiência para a regulação do poder paternal. O pai, que tinha passado a semana com a filha (sabe-se lá onde pois não tinha habitação regular) teria que entregar a criança aos cuidados da mãe que tinha voltado para casa dos pais.

Pensa-se que já tinha o plano traçado e como foi barrado pelo ex-sogro, no café de que é proprietário, tentou extorquir dinheiro à esposa. Aí, na sua casa, terá havido um desaguisado que resultou na sua morte. Degolou-a enquanto a menina, a sua filha, estava no carro. Tudo isto foi estudado ao pormenor para não falhar nenhum detalhe. Depois partiu, para parte incerta e o seu percurso não foi detectado pelas autoridades que já se haviam inteirado do seu acto tresloucado.

No dia seguinte, é recebida uma chamada, pelo INEM, informando onde estava o corpo da bebé. Estava na bagageira do carro. Tinha morrido por asfixia. Um pai que mata uma filha é algo de muito macabro, o que prova o caos em que aquela mente se encontrava. Um desarranjo psicológico gravíssimo. Não a via como um ser humano, uma pequena parte de si, mas como um bem, apenas uma posse, atitude muito comum nas disputas familiares.

Ele sabia que não lhe seria atribuído o poder paternal pois não tinha fonte de rendimento nem domicílio. Ninguém colocaria uma criança nas mãos de um pai que não tem condições de a sustentar nem de a tratar. Talvez a sua cabeça tenha ficado desregulada e no desespero tenha pensado que aquela seria a solução. Um horror! Inconcebível, mas infelizmente verdadeiro.

Numa carta, revelou que as culpadas de toda a situação eram a ex-mulher e a ex-sogra e se a menina, a Lara, não era para ele não seria para ninguém. Uma enorme falta de humanidade e de empatia. A Lara era apenas uma criança de dois anos e meio, uma inocente que serviu de dado num jogo impensável que o pai manipulou com mestria.

Para culminar, bem ao género de Eça na sua obra Os Maias, o homem que se cansou de ser decente, regressa a casa dos seus pais e, num acto final, pega numa caçadeira e acaba com tudo. Chega ao fim esta assustadora saga que não deixa ninguém indiferente. Mortes sem motivo e uma dor imensa que fica numa família desfeita.

Se toda esta odisseia chocou o país (e com toda a razão), como se sentirão os vizinhos, os que são próximos a todas estas pessoas assoladas por este massacre? É um sentimento de revolta que se agiganta, uma impotência e um sofrimento que não vai parar tão cedo. Um homem que perde a sua companheira de longa data e uma neta, tem todo o direito de se sentir roubado. Uma mãe que fica sem a filha, o seu mais precioso bem é uma imagem que não se deseja. E junta-se-lhe a sua própria mãe. Uma tragédia ímpar.

E agora? Nada mais se pode fazer e está tudo feito. Famílias desfeitas e dores que nunca serão apagadas. Uma violência injustificada e brutal. Tudo, porque o pai, aquele que devia proteger e cuidar a filha, não tinha sabido crescer e ser um adulto. Todo o seu comportamento se pautou por uma enorme imaturidade e inconsciência. Segundo consta desde sempre.

Desculpa Lara. Falhei-te ao ter permitido que as pessoas em quem voto fossem incapazes de escolher profissionais competentes para tomar as decisões certas. Desculpa Lara, por não teres tido oportunidade de crescer e de conhecer o mundo. Desculpa Lara por não poderes voltar a abraçar a tua mãe e os que te amam. Desculpa Lara, por andar distraída da vida e não perceber como estamos tão errados.

Somos todos culpados, mas viramos a cara para o lado. Talvez te tenha visto algumas vezes, mas ignorei-te. É sempre mais fácil deixar os outros assumirem as responsabilidades. Não existem inocentes. Olhamos por cima do ombro para ver se é seguro continuar a não querer saber. Avançamos formosos quando o caminho está livre, mas não arregaçamos as mangas para o trilhar. Somos uns miseráveis, porque permitimos que se cometam estas atrocidades.

Desculpa Lara. Não tens culpa do que te aconteceu. Foste mais uma vítima de violência doméstica. Tens nome e rosto. Não foi o amor que moveu o teu pai, mas sim o ódio, um enorme ódio por si próprio e uma imensa falta de respeito pela vida que te deu. Não merecias. Ninguém merece. Confiavas nele e apesar disso ele roubou-te o teu parco bem, a vida. Não é amor. Não é.

Desculpa Lara. Desculpa.

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