Descobrimentos? That’s us!

Lembro-me da primeira vez que ouvi falar dos Descobrimentos. Era uma criança com cerca de 7 anos, frequentava a escola primária e a professora da altura deu-nos uma aula de história sobre esta época. Foi nessa altura que percebi (com as naturais limitações de uma criança de 7 anos) que os Descobrimentos eram vistos como um dos momentos mais importantes da História de Portugal por representarem a época em que as frágeis caravelas portuguesas cruzaram os grandes mares, numa altura em que os conhecimentos sobre a configuração da Terra eram bastante limitados. Gil Eanes terá sido um dos nomes que permitiu o iniciar deste período de descobertas marítimas, ao quebrar o mito do Mar Tenebroso quando dobrou o Cabo das Tormentas, mais tarde designado Cabo da Boa Esperança. Em 1498 Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia, e em 1500 Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. Foi também um português, Fernão de Magalhães, que planeou e comandou a primeira viagem de circum-navegação do globo.
Lembro-me ainda que durante essa aula, a determinada altura, a professora deu-nos uma casca de noz, na qual colocamos um material para preencher o seu interior e finalizamos com a bandeira de Portugal. A intenção era percebermos o quão frágeis eram as caravelas portuguesas perante o grandioso oceano outrora desconhecido – tão frágeis como uma casca de noz. Desde o primeiro momento, a bravura dos portugueses perante o desconhecido e os consequentes perigos foi realçada. Uma visão fantasiosa dos Descobrimentos que nos acompanha até hoje. As violentas colonizações, a escravatura e a aculturação que aconteceram – sim, aconteceram! – neste período da História são muitas vezes relegadas para segundo plano.
Há pouco tempo, vi um vídeo no Youtube, da autoria de uma portuguesa e repleto de humor, que nos define com precisão. A determinado momento ela diz qualquer coisa como: «Nós [portugueses] celebramos a nossa herança. Guias turísticos de todo o Mundo referem com frequência em excursões a herança portuguesa deste período da História e com isso as violentas colonizações e a escravatura que existiram. O que acontece é que todos os membros do grupo acenam com a cabeça de forma pesarosa, como deveria ser. Mas se prestarem atenção, há sempre um português no grupo que parece todo orgulhoso. É possível vislumbrar um pequeno sorriso inapropriado no seu rosto, acenando a cabeça em sinal de concordância e a pensar para ele próprio “That’s us!”.»
“Os portugueses gostam de enaltecer os Descobrimentos, mas vivem na fantasia de que foi tudo bonito e limpo”, diz Barry Hatton. Jornalista e escritor, Barry Hanton vive em Portugal há mais de 30 anos e corrobora a visão fantasiosa que os portugueses têm desta época. “Escravatura? É como se não tivesse acontecido”.
Estará na altura de ganharmos uma maior consciência da nossa História? Narrar os acontecimentos na sua plenitude, com aquilo que nos orgulha e aquilo que nos envergonha, é, no meu entender, uma forma de respeitar a História – a nossa e a daqueles que viram os seus povos submetidos a tais agruras. É admitir que aconteceu e que foi errado, que evoluímos enquanto sociedade e não o voltaremos a fazer. É ter consciência do valor da vida humana, independentemente da sua raça, credo e convicções.
Não pretendo com isto dizer que não devamos ter orgulho deste período da nossa História. Afinal, os Descobrimentos (independentemente das suas diversas motivações) correspondem a uma revolução geográfica: os seres humanos descobriram finalmente qual era a configuração da Terra e abriram novas vias de circulação. Do mesmo modo, diferentes ideias e hábitos localizados em áreas restritas do Globo generalizaram-se, como sucedeu com o consumo do açúcar, da pimenta, do tabaco, do café e também do algodão e das porcelanas. Os Descobrimentos fazem parte da nossa identidade, sim, mas com tudo de bom e de mau que isso implica.
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