É comum olharmos para muitos miúdos e dizermos que eles já vieram ensinados a mexer no telemóvel, navegar na Internet e a saber manejar um computador. No entanto, isto acaba por ser um grande desafio para o ensino e para os professores. Será que os professores devem ensinar de forma diferente a geração digital? Estará a Educação preparada para esta geração? Estará esta geração a ser preparada para tais desafios?
São questões pertinentes e a última a ser formulada tem para mim a maior precedência sobre as demais. Com efeito, uma geração começa a preparar-se para mergulhar nos desafios que a esperam, a partir do nascimento de cada indivíduo que dela faz parte ou mesmo antes disso. Uma responsabilidade fundamentalmente cometida aos pais e outros familiares significantes, que depois se estende aos educadores e mais tarde aos professores.
Estará então esta geração digital a ser preparada para os novos desafios? A pergunta pode ter respostas diversas conforme a contextualização que lhe for conferida. Depende pois da natureza do desafio a que nos referirmos. Se o desafio for a mais rápida agilidade no manuseio das ferramentas digitais, a resposta afigura-se afirmativa. Mas se quisermos considerar critérios ponderosos relacionados com a interacção social, com os hábitos de leitura ou com a curiosidade necessária à investigação, começamos a esbarrar com sérias dificuldades.
Familiarizar uma criança desde tenra idade com um ecrã de telemóvel ou computador será um caminho seguro a trilhar? Não me parece. Estudos recentes apontam no sentido de que este hábito precoce é prejudicial ao desenvolvimento psicossocial da criança. Contudo, parece-me útil que por volta dos nove anos de idade as ferramentas digitais sejam progressivamente introduzidas, tanto no âmbito do entretenimento como nos processos de ensino aprendizagem.
Em estádios iniciais do desenvolvimento infantil, a criança apropria-se do mundo, primeiro sugando o seio materno, depois manipulando os objectos e mais tarde imitando através do jogo o comportamento dos que a rodeiam. Esta interacção permite-lhe adquirir competências psicossociais que as capacitam para mais tarde brincar com outras crianças, descentrando-se de si mesmas para ir ao encontro do conhecimento do outro, aprendendo regras e limites, potenciando capacidades, desenvolvendo o trabalho em grupo e a empatia, bem como reforçando a tolerância à frustração.
Ora todo este processo de apropriação do mundo e de relação com o mesmo pressupõe que ele seja real, a três dimensões, com toque, relevo, cheiro, sabor e sujidade, não se limitando a algo muito redutor, asséptico, plano, brilhante e sonoro, apenas com duas dimensões, em que tudo acontece num pressionar de botão. A vida não é sobreponível à realidade digital e esta aprendizagem precisa ser realizada pela criança nos primeiros anos de vida, sob pena de o não conseguir fazer adequadamente mais tarde.
Estudos científicos alertam-nos sobre estes fenómenos e penso que a maior parte de nós tem pelo menos uma ténue noção de que o bom senso assim recomenda. Grande parte da aprendizagem da criança faz-se pela imitação dos adultos. Quem não se recorda disso mesmo, ao analisar o comportamento dos seus filhos desde muito cedo?
O problema é que muitos pais desta nova geração passam grande parte do seu tempo frente a pequenos e grandes ecrãs, em entretenimento ou trabalho, em casa e fora dela. Torna-se difícil que as crianças não interiorizem este hábito como algo imprescindível à vida e o solicitem, razão pela qual os pais rapidamente colocam um tablet nas mãos dos filhos, ao invés de com eles jogarem à cabra cega, à macaca, ao lenço, aos dados ou ás escondidas.
A Suécia está a planear deixar de lado os computadores nas escolas e regressar ao ensino baseado nos livros e cadernos. O motivo é a diminuição das competências de leitura e escrita dos alunos. O plano é dizer adeus aos quadros digitais, ecrãs e dispositivos electrónicos e voltar às ferramentas tradicionais de ensino. E segundo notícias recentes, a Noruega, os Países Baixos e os Estados Unidos irão tomar medidas em sentido idêntico.
Há 15 anos a Suécia introduziu nas escolas métodos de ensino modernos. Os alunos foram ensinados a tomar notas em tablets ao invés de escreverem em cadernos. O objectivo era encurtar o tempo de aprendizagem graças às oportunidades tecnológicas e habituar o cérebro à velocidade. No entanto, com o tempo, as competências de literacia dos alunos diminuíram. A dependência da informação pronta aumentou e a vontade de ler e de investigar reduziu-se. A capacidade de expressão das crianças e a comunicação interpessoal enfraqueceram consideravelmente.
À pergunta de se estará a Educação (e os professores) preparada para ensinar a geração digital, eu contraponho estoutra: estarão os pais devidamente preparados para ensinar as suas crianças a utilizar o digital na idade adequada? E a proporcionar-lhes portanto as condições necessárias ao melhor desenvolvimento psicossocial? Aqui está o fulcro da questão e dela tudo decorre. Não serão nem os currículos escolares nem a maior ou menor preparação dos professores o principal factor a considerar neste processo, pois eles surgem a jusante da intervenção importante a realizar. E esse sim parece-me o desafio mais premente a vencer no tempo actual. E depois, obviamente, seguir o exemplo da Suécia parece-me razoavelmente avisado.