BIRRAS! E mais birras. É sempre, assim, que perspectivo, quando alguém me informa, de forma séria e expressão fechada, que está no meio de uma crise existencial.
Já as vi de todos os tipos. No meu irmão e no meu gato. Com 5 anos e com 80 anos. Das que duram 1 dia e das que parecem continuar a vida toda. E sinto sempre o mesmo arrepio na coluna. É inevitável pensar “Mais uma? Mais uma vez?” Afinal, quantas já não vimos acontecer aos que nos rodeiam? Quantas são capazes de existir, na vida, de um único individuo? E o que define uma “crise existencial”?
Segundo os mais experientes – que é como quem diz os verdadeiros especialistas –, uma crise existencial implicará questionar-se a si, à sua posição no meio social, ao seu objectivo de vida. É perder o rumo, mesmo quando não sabia que estava a navegar, para um qualquer sítio. Sente-se desorientado, revoltado, indeciso sobre o seu futuro? Venha, com este artigo, perceber porque se sente assim.
Todos nos lembramos do pobre Simba, em O Rei Leão, desesperado e perdido, após ver o seu pai falecer, e o terrível Scar o expulsar ferozmente do reino, outrora sua casa. Todos sentimos empatia, choramos, até, quem sabe. Porquê? Porque todos conhecemos a profunda dor de perda, de cair no abismo do futuro, sem paraquedas do passado.
Não saber para onde ir, nem o que fazer, nem o que vamos encontrar. Saberemos quem somos, ou, como o pobre Simba, duvidaremos de nós mesmos? A resposta, na maioria das vezes, não é nada agradável – como nos transmite Romeu, em Romeu e Julieta, de Shakespeare: “Doido não, muito mais cativo do que um doido; encerrado numa prisão, sem comer nem beber, chicoteado, atormentado” – ao expressar a sua decadência intima, perante o amor não correspondido de Rosália.
No meio da confusão e loucura do dia-a-dia, dos amores e desamores, do patrão que não paga e da empregada que só reclama, torna-se difícil não cair em desespero. Torna-se impossível suportar aquela vozinha, que se vai tornando ensurdecedora: “O que estás a fazer? Não vês que a tua vida está toda errada?” Ela lá vai martelando, até que a criança em nós faz birra. Berra. Estrebucha. Chora. Atira o pano ao chão e, com os seus fortes pulmões, vocifera: “Chega! Quero mudar!”.
Já a canção do António Variações ia entoando:
“Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se a vida em ti é de outro jeito”
O problema passa por não saber o que queremos mudar, para que mudar e – pior! – desconhecer o que nos fez desejar, tão arduamente, esta mudança. Não é que nos sintamos infelizes, mas, desde a semana passada, que aquela voz se tornou insuportável, quando antes, nem sequer lá estava.
Nós somos complexos, subjectivos e intrinsecamente complicados. Como Teresa Escoval afirma, no seu artigo acerca das crises existenciais, estas são recorrentes, naturais e saudáveis e “temos várias fases na vida que, na verdade, são ciclos em si. Têm começo, meio e fim, precisam de ser abertos pelos motivos certos e fechados, quando se esgotam verdadeiramente. Caso contrário, deixam marcas psicológicas que teimam em continuar a doer. Os ciclos psicossociais são abertos pela idade (infância, adolescência, maturidade e velhice), pelas relações (namoro, casamento, família, amigos) e pelas actividades (escola, universidade, emprego). E nunca passamos de um desses ciclos para o seguinte impunemente, cada vez é uma ‘crise’.”
As soluções apontadas, para ultrapassar este seu contratempo, passam pela procura de apoio psicológico, dicas acessíveis a si, em qualquer lugar, a qualquer momento e exemplos metafóricos, na literatura.
E é exactamente neste mundo confortável e caloroso dos livros que Fernando Savaglia reflecte sobre a sua visão das crises existenciais. “Morte, luto, mágoas, dor, separações, angústia, depressão, ansiedade, etc. Por fases ruins todos nós passamos. Algumas delas, porém, possuem um encadeamento de eventos negativos tão próximos que mesmo um agnóstico convicto fica tentado a reflectir se existe, ou não algum entendimento, ou ordem invisível que fuja do campo de pesquisa da nossa limitada ciência, baseada no, para alguns, ultrapassado, paradigma Newtoniano Cartesiano.”
Tocando, num ponto sensível, da Psicologia e das Ciências esotéricas, demonstra a necessidade da “vítima”, neste momento melo-dramático, em se agarrar a alguma religiosidade, teoria científica, ou crença partilhada. Mais do que uma mera e singela crise, estas debruçam-se sobre o significado do cosmos e da sua posição nele. Correndo, então, o risco de acreditar – pela força da urgência em encontrar paz, consigo mesmo e com aquela voz irritante – em todo e qualquer credo. Perde-se a ciência, a vontade de raciocinar, a todo o custo, e entra-se pelos caminhos fecundos que unem realidade e imaginação, numa só vertente, de difícil exactidão e prova. A crise existencial dá lugar à ideia genial.
E, assim, novos ou velhos, sendo o Gregor d’A Metamorfose, ou o Carlos d’Os Maias, ou o Melman de Madagáscar, todos mudamos, todos enfrentamos o que nos confronta, pela mão da dura e fria vida.
A birra dá lugar às ideias novas – adquiridas por força da maturidade, ou com a ajuda da deusa grega, Tique – e nós evoluímos. Passamos de confusos a aventureiros. Trazemos o medo connosco de pendura e vamos tirando dele os sonhos, que previamente aprisionou. Somos um javali e um suricata. Cantamos “Hakuna Matata”, com urros de vitória e esperança. Acima de tudo, vivemos bem, porque nos sentimos bem.
A crise existencial já lá vai. Os problemas, também, já lá se foram. E que venha a próxima, que o que se leva desta vida é o sorriso e pouco siso.