Há coisas a que não há volta a dar: a imagem transmite mensagens com muito menos recursos e de forma muito mais rápida do que a escrita.
Isto não me fica muito bem dizer, eu que tenho uma péssima capacidade, para não dizer inexistente, de desenhar, e até gosto é de escrever. Mas contra factos….
Recordo-me duma imagem, que em vão procurei e não voltei a encontrar: uma quadrícula apenas, com 2 mulheres e respectivos filhos sentados num banco de jardim. Uma delas e um deles com um livro na mão. Os remanescentes com telemóvel. A mulher de telemóvel pergunta à outra: como é que consegues que o teu filho leia? Caso para dizer: tau! Eu aqui com 4 frases, e alguém teve, com 4 rabiscos, o poder de passar uma ideia fundamental: o exemplo.
Em consequência, eu poderia dar por terminado o meu artigo. Ficaríamos por aqui. Mensagem transmitida.
Contudo, a imagem, apesar de implacável e cirúrgica, não detalha o como. Por isso, continuo. Não pensem que ia assim, com esta facilidade, abandonar um dos meus amores, pelo que vou desenrolando os possíveis favorecedores da leitura infantil:
Exemplo
Parece-me, recorrendo aos teoremas matemáticos, que é necessário mas não suficiente. Quer isto dizer que um pai, ou mãe, ou alguém próximo que leia habitualmente, poderá despertar esse interesse ou curiosidade, mas não é garante por si só. O facto de alguém dedicar o seu tempo, ou mesmo ter um local consagrado à leitura, significa que é importante para a pessoa em questão, e ser-lhe-á naturalmente aprazível. Sobretudo quando isso se traduz em opção preferencial sobre a televisão ou dormir ou qualquer outra actividade.
Hábito
A observação próxima de alguém com consistentes actos de leitura poderá causar alguma simpatia, afinal se a pessoa opta deliberadamente por ler, é indicativo de que pode ser coisa boa. E tendo chegado aqui, talvez a criança, pela via da imitação ou mesmo por pensamento mais elevado, procure um regozijo similar com livros ao nível do seu entendimento. Esta satisfação pode começar muito precocemente, quando são os adultos que tomam a iniciativa de lhes ler ao deitar, ou de reservar no fim-de-semana algum tempo para construir oralmente histórias apenas pelas imagens observadas. A visualização do livro como sendo integrante do lar ou a disponibilidade do seu manuseio, contribuem para uma ligação afectiva e emocional.
Possibilidade e não obrigação
A leitura deverá ser sedução e não assédio. Ou seja, é importante que a leitura seja vista como interessante e criativa, ou mesmo como uma forma de brincadeira, não devendo de todo ser vista como uma tarefa aborrecida. Se os passos anteriores forem cumpridos, a criança terá naturalmente vontade de ler, até porque os livros sempre fizeram parte da sua vida e estão distribuídos pela casa. A ser considerada rotina, como ler ao deitar, será das boas, das que criam ciclos reconfortantes.
Integrar a vida nas leituras
Quando os miúdos são pequenos, os livros são escolhidos pelos adultos. No entanto, se os livros em causa incorporarem elementos de interesse das crianças, como animais, aviões, ou os desenhos animados que veem, a leitura será mais apelativa. Os livros surgem, assim, na continuação dos seus interesses e vivências, como quando falam dum filme que viram ou dum local que visitaram. Nesta ordem de ideias, há livros infantis que devem ser abordados conforme os acontecimentos na vida infantil, em factos tão comuns como entrar no infantário, largar as fraldas e a chucha, aprender a andar de bicicleta ou mesmo iniciar a explicação do luto, se algo próximo acontecer. A leitura evolui com eles.
Eventos
O contacto social relacionado com as leituras dá-lhes um dimensão real. Existe um mundo físico que suporta a actividade literária. Visitar uma biblioteca, participar em leituras de grupo com animadores, assistir ao lançamento de livros infantis ou conhecer o autor do seu livro preferido, pedindo-lhe um autógrafo ou falando com ele, são actividades que mantêm a paixão acesa.
Rituais
A criação de tradições, como fazer uma visita familiar às feiras do livro, ou visitar periodicamente as livrarias, para conhecer as novidades e adquirir livros, é também um acto salutar. Permite o alargamento de horizontes e a descoberta de outros autores e géneros literários, contribuindo para a maturidade. Isto em simultâneo com a criação de laços e empatias, naturalmente.
Liberdade de escolha
Haverá sempre leituras obrigatórias, independentemente das nossas preferência, motivadas por questões académicas. Discutíveis, sim, muitas vezes penalizantes, mas em paralelo, no que seja a leitura de lazer, deverá haver uma ampla possibilidade de escolha. Os miúdos crescem e vão também revelando mais ou menos interesse por este género ou autor. Há que afrouxar a intervenção do adulto e permitir que a criança ou jovem se manifeste, sob pena de secar a fonte com a obrigatoriedade de leituras aconselháveis mas não desejadas por estes. Os adultos podem sugerir, mas tendo em conta as inclinações dos miúdos. Também isto é permitir-lhes crescer e ganhar personalidade.
Personalidade
Dizia eu, ao princípio, que ter leitores próximos das crianças não é garantia de gerar um ser leitor. De facto, apesar de tudo ter sido feito no sentido de despertar na criança a vontade, esta pode, pela sua personalidade ou outros interesses, não corresponder, ou pelo menos da forma esperada.. E como dizem por aí: e está tuuuuudo bem! Simplesmente não podemos gostar todos do mesmo, embora seja uma pena: a leitura é uma ensaiadora de capacidades e uma projectista de ideias. Tristemente, a sua ausência concretiza-se em desperdício.
O meu filho tem 15 anos, lê basicamente livros mangá, alguns dos quais em inglês. Se seria a minha primeira escolha? Não! Mas lê, e vejo nele a cultura apreendida por tais leituras. Na escola pediram-lhe há dias que efectuasse uma apresentação oral sobre um livro. Perguntou-me, porque eu o tinha emprestado, quando teria o Poe de volta.
Esta mãe, tola e babada, sorriu.