Teve lugar no passado sábado a primeira semi-final do Festival da Canção 2019. Conan Osíris, com o seu tema “Telemóveis”, foi o segundo classificado – apurando-se para a final de 02 de Março – e o mais votado pelo público. Porém, não sem ser alvo de muita contestação e incredulidade.
Pela música que é “esquisita”, pela letra “sem nexo”, pela apresentação “excêntrica” escolhida para o evento. Adjectivos normalmente utilizados pelas maiorias para apelidar o alternativo e o incomum. Obviamente que ser diferente não é sinónimo de qualidade – veja-se nomeadamente o caso da música israelita que venceu a Eurovisão o ano passado (ainda hoje prefiro acreditar que apenas por questões políticas).
E com uma sonoridade marcadamente eclética, as suas letras aparentemente non sense e uma personalidade marcante, nunca poderia nos tempos que correm conseguir a unanimidade junto do público. Contudo, muitos dos comentários que fui lendo pecam pela análise meramente superficial à música de Osíris. Esta em particular. E aí coloco o busílis da questão.
Na realidade “Telemóveis”, embora ainda não tenha visto o cantor falar sobre o seu real significado, é para mim uma original metáfora sobre a morte, sobre a saudade de alguém que já partiu e sobre seguir em frente, após acontecimentos negativos. Utilizar o telemóvel – bem que se tornou essencial na vida de todos nós, com o qual hoje em dia podemos comunicar com os outros em segundos, mas não nos permite contactar com quem partiu – como metáfora para lidar com um sentimento tão nosso, tão português, como o é a saudade e a impotência para lidar com a morte de quem nos é muito querido, é arrojado e reconheço que o estilo poderá não cair bem a todos. Vindo de um cantor que já fez uma ode à celulite, cantou sobre um borrego e comparou bolos ao amor já não estranha, ou devia estranhar.
Mesmo que o significado seja qualquer outro, o que me choca não é as metáforas nas letras, a mistura de raízes na música ou tão pouco a excentricidade do cantor. O que me choca é antes a rapidez com que se julga, neste caso uma letra sem procurar saber o seu significado para além da literalidade, e se rotula pessoas sem se conhecer o seu background. Talvez porque numa era de homogeneidade musical, de cultura de e para as massas e do apanágio dos “follows”, tudo que foge à norma soa efectivamente “esquisito” e onomatopeias e “bundas a bater no chão” parece giro, se nos entrar pelos ouvidos todos os dias em discotecas e rádios, com todos a cantarem em uníssono, mas um homem com uma máscara esquisita a dizer que partiu o telemóvel a tentar ligar para o céu –se até fosse – já não é assim tão bom.
Por outro lado, prova que Salvador Sobral – com as devidas ressalvas de género – só foi convertido em herói nacional, após vencer a Eurovisão. Antes era só mais um tipo estranho com uma música bonita.
Ainda somos muito renitentes à diferença ou inovação. De várias formas e feitios.
Conan Osíris não é um caso de “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É um caso de “ou se adora ou se odeia”. Não é para todos, nem quer ser. E mesmo que não seja o vencedor do festival da canção e, por conseguinte, não nos represente na Eurovisão, já conseguiu algo que é, hoje em dia, muito fácil e ao mesmo tempo tão difícil: provocar uma reacção no público. Porque vivemos num tempo de crítica e chacota fácil e simultaneamente de originalidade difícil.
Li algures que é mais simples pensar fora da caixa, quando não desenhamos uma à nossa volta. Ele certamente não desenhou.