Com o trio maravilha

Com The Philadelphia Story, a screwball comedy confirmou a sua importância diante de uma audiência pouco perspicaz no entendimento de alguns sarcasmos. Para além disso, foi a salvação da carreira de Katharine Hepburn. O filme valeu-lhe a terceira nomeação ao Óscar e mesmo que não tivesse ganho bastou para se autenticar como uma das melhores atrizes de cinema de sempre.

Baseado numa peça estreada na Broadway, também com Hepburn como protagonista, o filme é considerado um clássico irreverente da história do cinema. Comédia frenética, de diálogos apressados e engenhosos, este é um daqueles momentos de arte que todos, independentemente de ser ou não adepto do preto e branco, deveria observar. As suas piadas continuam, 75 anos depois da estreia, a ter eficácia sobre o seu público, mesmo de idades tão divergentes. De facto, é isso que falta às comédias de hoje em dia. Nelas, verificamos o desaparecimento de relações humanas tão complexas, sobretudo, pelo novo apego às redes sociais. Por outro lado, os confrontos neste filme são colocados frente a frente.

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O enredo, para os menos atentos, é até um quanto confuso. Tracy Lord, a personagem de Katharine Hepburn, é uma a mulher emancipada, a menina impetuosa e mimada, espelho daquilo que a própria atriz exibia diante da socialité cinematográfica – e que está prestes a se casar. Ao seu lado estão C. K. Dexter Haven (Cary Grant), o ex-marido, desesperado em colocar à prova a mulher que ainda ama – com a ajuda do seu amigo pessoal e editor da Spy Magazine, Sidney Kidd (Henry Daniell) -, e Macaulay Connor (James Stewart), um dos jornalistas que irá cobrir, ao lado da fotógrafa Elizabeth Imbrie (Ruth Hussey), o novo casamento de Tracy – desta vez com o milionário George Kittredge (John Howard). Para complicar as coisas, surge a irmã de Tracy, Dinah, que mesmo inoportuna, comprovou o talento da jovem atriz Virginia Weidler – a mesma já tinha participado em The Women (1939), também realizado por George Cukor.

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Na realidade, este filme com poucos espetadores tinha tudo para dar errado, uma vez que Katharine Hepburn era considerada ‘veneno da bilheteira’. Muitos dos seus projetos, hoje considerados clássicos, como o caso de Bringing Up Baby, eram flops imediatos. Na época, o terreno era ainda de Marlene Dietrich, Greta Garbo e Joan Crawford – mitos e deusas do cinema.
Para Hepburn, a fama temia em chegar, mas esta sofisticada comédia encaminhou-a para o passeio da fama em Hollywood. Não é por menos que ainda detém o título de atriz com mais Óscares (4), na categoria de Melhor Desempenho Feminino. Ela brilha e sobressai-se diante da maioria de elenco masculino. Sabe, pelo refinado argumento, comunicar cada uma das suas falas. A sua interpretação tem classe e não apenas por desempenhar uma mulher com vida estável.

A realização de George Cukor, cineasta e cronista dos ideais femininos dentro e fora do ecrã – The Women (1939), volta aqui a ser referenciado -, era um homossexual assumido e a sua revolução nos enredos cinematográficos era evidente. De lembrar também A Star is Born (1954), com a imagem da ascensão de uma mulher (Judy Garland) e a decadência de um homem (James Mason).

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Casamento Escandaloso foi um espanto, mesmo para os mais conservadores. Os temas sexuais eram ainda cortados pela censura da época, mas o seu argumento manteve-se intocável, considerando esta película (pelos seus estudiosos), um protótipo do ménage-à-trois.

Cary Grant e James Stewart são excessivamente trapalhões. Grant comprova novamente o seu talento e versatilidade e, mesmo que a sua atuação seja mais importante que a de Stewart, este último é que foi nomeado e vencedor do Óscar de Melhor Ator (vejamos, à frente de Henry Fonda, em As Vinhas da Ira). Stewart é uma peça chave em toda a trama. O seu Macaulay Connor consegue mostrar a fusão de classes no pós-Grande Depressão de 1929 e, por ser uma figura humilde ao lado da elite americana, consegue gerar uma maior empatia por parte do público.

Mesmo que tudo seja primordial para o filme, aquilo que mais se destaca é o argumento. Produzido por Joseph Mankiewicz, a história de Donald Odgden Stewart é elementar para compreender uma Hollywood, que ansiava colocar no ecrã cenas ousadas para a época. E mesmo que no cinema de hoje tudo possa ser mostrado, ‘não ver’ o romance de Tracy e Macaulay dá maior liberdade mental ao seu espetador. Mais um filme resistente ao tempo e à sociedade do novo milénio.

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Ficha técnica

Ano de Produção: 1940/ Título português: Casamento Escandaloso/ Título original: The Philadelphia Story/ Realizador: George Cukor / Argumento: Donald Ogden Stewart / Elenco: Cary Grant, Katharine Hepburn, James Stewart, Ruth Hussey, John Howard, Roland Young, Mary Nash, John Halliday/ Música: Franz Waxman/ Duração: 112 minutos

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