Classe Média em Vias de Extinção(?)

Low Cost – O Fim da Classe Média é um livro publicado pela Teorema, onde se afirma que a economia global está a acentuar o fosso entre os ricos e os pobres e, consequentemente, a levar àquilo que já muitos de nós sabemos: o fim da classe média. Para Massimo Gaggi, jornalista do Corriere della Sera, em Nova Iorque, e Edoardo Narduzzi, empresário das novas tecnologias, a classe média foi a responsável pelo “baby-boom”, pelo Estado Social e pela produção em massificada, mas actualmente, apesar do seu inegável contributo para a riqueza das nações, é como os dinossáurios – condenada a extinguir-se.

Numa sociedade que se divide da seguinte forma: uma classe alta, que disponibiliza o capital, uma classe média, que tem como missão o planeamento, gestão, coordenação de tarefas técnicas e que, por sua vez, são executadas pela classe trabalhadora. Existe também um grupo bastante fragilizado, que subsiste, através do apoio de subsídios disponibilizados pelo Estado e do contributo dos grupos anteriormente mencionados.

Em Portugal, a classe média, embalada pelo estímulo consumista dos anos 80, cresceu e aumentou o seu poder económico. Nessa altura, a conjuntura financeira alimentou um mundo vasto de expectativas em relação às oportunidades criadas pelo sistema. Por essa razão, a classe média pode ser definida como aquela que possui poder aquisitivo e padrões de consumo que não se limitam apenas a suprimir necessidades de sobrevivência, como a permitir-se a ter acesso ao Lazer e à Cultura. Pode ser classificada qualitativamente, através da formação, estilo de vida e consumo, ou, quantitativamente, baseada nos rendimentos. A este grupo pertencem quadros técnicos e superiores, professores, médicos e pequenos empresários. Como disse uma vez António Lobo Antunes, no Diário de Notícias: “quem lê é a classe média”, o verdadeiro motor da sociedade. Uma classe média sólida é também muito importante para o sistema político do país. Aristóteles foi provavelmente uma das primeiras pessoas a reconhecer que um governo de classe média obteria os melhores resultados. Perotti (1996) descobriu que os países com níveis de desigualdade social e económica mais acentuados, possuíam também uma maior instabilidade governamental. Os cientistas políticos Acemoglu e Robinson (2005) argumentam que uma classe média bem consolidada é um pré-requisito para uma democracia estável.

A classe média que Portugal conseguiu edificar foi criada num processo muito rápido, pouco consistente, que resultou, sobretudo, da expansão do Estado Social e que, na sequência dos anos 80, sujeita a um discurso mais, ou menos eufórico, orientado para o consumo e para um certo individualismo, criou um conjunto de expectativas relativamente às oportunidades do sistema. No entanto, a crise económica que o país enfrenta está a defraudar essas expectativas. Esta classe média portuguesa cresceu e gerou uma nova geração de jovens formados, qualificados e que nos dias de hoje enfrentam a frustração de estarem presos. Não conseguem ganhar autonomia, por exemplo, para saírem de casa dos pais. Pais que lutaram contra uma economia que os tem sufocado, fruto da austeridade aplicada pelo governo, fortemente controlado pelos mercados e instituições internacionais que emprestaram dinheiro ao país.

Os rendimentos auferidos pela classe média portuguesa são mais baixos do que a média europeia. Em 2010, o relatório da OCDE indicava que 16% da população nacional era composta pela classe média, enquanto no resto da Europa a média é de 23%. O mesmo se aplica aos rendimentos, com os recursos da classe média a serem também mais escassos. Cada vez mais pessoas empobrecem e a intensidade da pobreza é cada vez maior, a “dita” classe média está a ser esmagada com os sucessivos aumentos de impostos, a diminuição dos salários reais, a perda do emprego, os enormes cortes nos serviços públicos e nos apoios sociais. A precariedade, o número de pessoas que sofre de imprevisibilidade e insegurança aumentou exponencialmente. Os que estão empregados sabem que têm os seus empregos em risco. Os que perderam o emprego sabem que as suas perspectivas de empregabilidade são mínimas, sobretudo para quem tem mais de 45 anos de idade. Muitos dos que perderam o emprego, também perderam as suas casas e foram viver com amigos ou familiares. Outros tornaram-se sem abrigo. Os jovens, os que encontram trabalho aceitam qualquer coisa, e muitos dos que não conseguem trabalho emigram. É particularmente preocupante que praticamente um quarto das crianças em Portugal vivam na pobreza. Os pensionistas que tinham as suas reformas como garantidas deixaram de as ter e mesmo assim são para muitas famílias o seu porto de abrigo. O empobrecimento deste grupo social fez surgir um novo – o dos pobres médios, composto por aqueles que de ano para ano vêem os seus rendimentos escassear, aqueles que perdem os seus empregos e são apanhados pela impossibilidade de pagar os empréstimos contraídos e, aos poucos, vão perdendo tudo aquilo que conseguiram construir, até os sonhos.

Segundo a Cáritas e o Banco Alimentar, esta situação tem aumentado nos últimos anos. A fome envergonhada é uma característica que estas pessoas possuem, não tendo como “pôr o pão na mesa”, mas com vergonha de pedir ajuda, uma vez que são pessoa que nunca tiveram que passar por esta situação. Este problema leva também algumas pessoas a desistir de viver, tornando-se o suicídio numa solução para o problema. Por exemplo, durante o ano passado, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) recebeu 1672 pedidos de ajuda para evitar casos de suicídio, mais 489 do que em 2011. O suicídio passou a ser a principal causa de morte autoinfligida, seguida dos acidentes de viação.

Neste Portugal das desigualdades sociais, a austeridade tem espremido a classe média, acontecendo aquilo que Bruce Ackerman escreveu no seu livro We the People, publicado em 2000, “se a classe média continua a ser espremida e a perder a liberdade de compra, tenderá a esquecer as velhas aspirações de mobilidade social. Isso fará com que revele cada vez menor disponibilidade para pagar impostos, uma vez que não recebe nada em troca.” A classe média está a ponto de desaparecer, como factor de equilíbrio indispensável da nossa sociedade. Os cortes no Serviço Nacional de Saúde e noutras conquistas sociais são tremendos para os desempregados ou para os pensionistas com pouco dinheiro. É, por isso, indispensável valer às pessoas em estado de verdadeira necessidade, custe o que custar

A classe média “está em risco de um empobrecimento muito rápido”, que pode levar a um “descontentamento mais amplo na sociedade portuguesa” e ao “enfraquecimento do sistema socioeconómico e do sistema democrático”, explicou à Lusa o sociólogo Elísio Estanque. Para ele, a classe média em Portugal tem “dificuldades acrescidas” comparativamente aos outros países ocidentais, que resultam de processos tardios, quer de industrialização, quer de adoção de um regime democrático, mas isto trata-se de uma questão política. Cabe aos nossos governantes fazer algo, porque a classe média como a conhecemos está em vias de extinção.

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Comments 1
  1. A pressão da concorrencia dos PIGS vai aumentar e a 1ª reação é ajustar os custos no 1º mundo para não entrar já com restrições de importações. Quem decide não vai fazer cortes na propria classe e na mais baixa já pouco mais pode cortar…exactamente vai espalmar a do meio onde há gorduras para tirar e onde a nova geração formada pode substituir com menos salario e por vezes ganhos de produtividade.
    Este rumo ainda se vai manter muito mais tempo até que o equilibrio PIGS-1º munso seja mais acentuado… é mesmo a coisa está para durar ainda muito…vamos a ver se o mexilhão aguenta. De acordo com Ulrich aguenta sim.

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