Posso ligar-me a um mundo virtual a qualquer momento. Desbloqueio o ecrã do telemóvel e posso procurar uma receita, tirar uma dúvida de gramática ou consultar a meteorologia. Tornou-se mais fácil, com o telemóvel, consultar todo um mundo virtual do que já era com o computador. Aproveito e consulto o e-mail. Vejo se tenho mensagens nas redes sociais, consulto as notícias do dia. Já começaram a ser mais interações que faria se os telemóveis não se tivessem tornado tão presentes na nossa vida. Posso programar a panela de pressão, a máquina de lavar roupa, por o aspirador a trabalhar, fazer uma lista de compras, tudo a quilómetros de casa. Poderia ficar por aqui, mas as notificações não terminam. Grupos de WhatsApp onde se discute o sexo dos anjos, grupos de Telegram que divulgam teorias da conspiração e notícias falsas.
No meio disto, esqueci-me de consultar a agenda. Verificar consultas, revisão do carro, vou até à app da clínica, mudo a data da consulta da especialidade que nunca irei conseguir no SNS. Entretanto perdi a conta ao número de vezes que consultei as redes sociais. Há toda uma sensação que me falta alguma coisa, alguma notícia, mas nada nos dá resposta.
Não aparece uma mensagem inesperada de alguém com quem não falo há muito tempo. Nem uma mensagem de alguém que vá ter um bebé. Tudo é declarado em público ao mundo, até a necrologia; num press release público, numa conferência de imprensa, numa live, como se fôssemos todos figuras públicas.
Todas as soluções acabam por nada solucionar. Já não compro jornais, nem mesmo quando preciso, nem escrevo na agenda, nem memorizo receitas do dia-a-dia. Tenho de dar ordens ao aspirador novamente porque ficou tudo mal aspirado, e afinal a roupa não lavou porque me esqueci de colocar o detergente, e em vez de ajudar, internet e wifi e a porra toda só me distraíram.