Cá estamos

Há uma expressão que me atrai e repulsa, ao mesmo tempo. É uma frase que não diz absolutamente nada, mas preenche um espaço em branco.

⁃ Então, como estás?

⁃ Cá estamos!

⁃ Está tudo bem?

⁃ Cá estamos!

Nem se está bem, nem se está mal, mas cá estamos ou cá andamos. Como quem diz que está vivo, mas não muito. Anda cá por andar.

Acho uma das expressões mais tristes que há porque é uma coisa morna, tipo vomitado. Nem é quente, nem é frio.

Serve para início de conversa, quando não há muito a dizer – está na mesma categoria do tempo. Dizemos “cá estamos”, mas também podíamos dizer “está calor”, ou “está frio”, ou “o tempo está esquisito”. É aquela introdução, aquela entrada que nem é carne, nem é peixe; não acrescenta nada ao que já se sabe, mas serve para quebrar o gelo inicial.

Ou então, não se quer dizer como se está. Por exemplo, atendemos o telefone e sabemos que a alma do outro lado é daquelas que está sempre a queixar-se, parece definhar em vida, mesmo que não esteja. Tem sempre uma desgraça ou uma nova doença para contar. Por uma questão de solidariedade, a pessoa nem consegue dizer que está bem, mas também não vai dizer que está mal e aí solta o “cá ando.” Não mente, e não se vangloria de estar bem, a alguém que nunca está.

Já dei por mim, a largar essa frase, apesar de a achar abominável. Constato, cada vez mais, o seu uso frequente.

Ontem, uma senhora à minha frente, ao telemóvel, disse isso. Ficou-me no ouvido e senti um certo desprezo misturado com pena. Não sei porquê. Se calhar, não sou apreciadora de pessoas meias-vivas ou semi-mortas, ou do mais ou menos, apesar de, vez em quando, lá cair também.

Vá-se lá entender o cérebro das gentes!

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