Vivemos em relação – na relação comigo próprio, na relação com aqueles que vivem na mesma casa, na relação com quem trabalho, na relação com quem partilha os mesmos interesses e faz o que eu faço, na relação com a comunidade a que pertenço. Em qualquer relação há sempre a possibilidade de conflito e a possibilidade de acordo. Há aspetos que nos ligam e que nos separam. Frequentemente assiste-se a desacordos vários na sociedade portuguesa – greves, reuniões que resultam da (e na) polarização de posições, colegas de trabalho que limitam a sua intervenção ao conteúdo funcional regulamentado, cidadãos que não atendem às dificuldades uns dos outros, filhos que têm um ecrã só para si pois ficam fiéis a um dado programa da Netflix, pais que não têm tempo (e disponibilidade) para falar com os filhos sobre as aventuras e desventuras do quotidiano e que se transformam em cumpridores funcionais de listas de tarefas intermináveis. Podemos até dizer que a vida é feita de desencontros.
Paradoxalmente são tantos os contactos que se fazem ao longo do dia – via e-mail, por sms…! O telemóvel, extensão quase natural do homem contemporâneo, é afinal de contas o que nos liga aos outros. É comum em qualquer local onde nos encontremos ouvirmos e vermos alguém ao telemóvel. Ligamos do trabalho, da pausa para café, da reunião, durante o jogo do filho. O que perguntamos nós e o que dizemos nós nessas interações? Queremos saber como estão a correr os dias dos nossos outros, filhos(as), pais, companheiros(as), animais de companhia. Queremos saber como se lá estivéssemos, ou melhor, como se lá tivéssemos estado juntamente com quem ou com o que nos é querido. E assim vamos roubando à vida a sensação de que o tempo é finito e que não podemos estar em todo o lado.
Concomitantemente, ouve-se por aí dizer “não há tempo”, “não há dinheiro”, “tenho de resolver isto já”, “posso deixar isto para depois”. Algumas vezes são barreiras reais, mas a maior parte das vezes são desculpas que damos a nós mesmos e aos outros para manter a vida como está, para não rompermos com quem nos magoa ou quem não nos faz feliz, para não termos de tomar uma posição. O incómodo é, frequentemente, evitado. Por comodismo ou por quaisquer outras razões, a maior parte das vezes o que acontece é que é maior a motivação para evitar o fracasso do que a motivação para alcançar o sucesso. E vamos dizendo a nós próprios mentiras que nos acalentam a alma – eu fiz, eu dei, eu paguei…
Os pais querem proteger os filhos, mas pouco tempo têm para conversar com os filhos, estes querem ter o que os pais lhes possam dar, e deste modo, vamos vivendo mais na construção de barreiras geracionais e comunicacionais do que na sua destruição.
O primado do que é individual faz com que frequentemente esqueçamos que “muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa”, como diz Carlos Tê.