É a nona arte, mas há quem a encare como uma forma de entretenimento menor. Por fazer uso do desenho, há quem diga que é para crianças. Por ser rica em imagens, há quem pense que é de leitura fácil. Mas a banda desenhada está acima destes preconceitos e, num contexto em que o digital é omnipresente, as histórias aos quadradinhos estão a reinventar-se.
No século XIX, o germano-suíço Rodolphe Töpffer juntou texto e desenho para criar a história “Les Amours de Monsieur Vieux Bois”. Chamou a este formato “literatura em estampas” e, talvez sem o saber, tornou-se o pioneiro daquilo que hoje conhecemos como “banda desenhada”.
Mais tarde, no século XX, as tiras de BD foram usadas como meio de competição entre os jornais nova-iorquinos. Já em Portugal, as aventuras dos trapalhões Quim e Manecas constituíram a primeira forma de banda desenhada.
Chegados à Grande Depressão, o Super-Homem, o Tarzan e o Flash Gordon imiscuíram-se na vida das sociedades que encontravam refúgio nas vinhetas de ação e fantasia.
O fenómeno da banda desenhada popularizou-se um pouco por todo o mundo e a nona arte aproveitou-se do seu poder para abordar questões fraturantes e, até mesmo, para vincar ideologias.
O repórter mais famoso do universo, Tintim, foi traduzido em mais de 50 línguas. Nas 23 aventuras deste jornalista criado por Hergé, houve espaço para defender o colonialismo no Congo, mas também para falar sobre a libertação da América Latina e satirizar as figuras de Mussolini e Hitler, que foram fundidas numa única personagem – Mussler. Tintim também testou a ciência e a tecnologia. E, neste campo, esteva à frente do seu tempo: pisou a lua 15 anos antes de Neil Armstrong. De destacar também o facto de “As Aventuras de Tintim” terem sido inicialmente publicadas numa revista para jovens, pelo que as histórias tinham o poder de lançar o debate político entre as camadas mais jovens.
Talvez por estarem sob o véu de desenhos, as críticas políticas e sociais patentes nas histórias de banda desenhada nem sempre foram entendidas pelos estadistas. A Mafalda, criança de seis anos preocupada com a paz mundial, tinha visões claramente anticapitalistas. Contudo, entrou em Portugal, sem que o Estado Novo a censurasse.
Neste mar de caricaturas, Charlie Brown e Calvin deixam muitos conselhos para os pais e educadores. Gaston Lagaffe é um anti-herói, que parece ter algo a ensinar aos patrões. E o Jeremy Duncan e a Cathy têm algo a dizer sobre cada momento da nossa adolescência e da entrada na vida adulta, respetivamente.
Por outro lado, ao potencial valor filosófico das bandas desenhadas, junta-se o valor jornalístico. Em 1992, a publicação “Maus”, de Art Spiegelman, ganhou o prémio Pulitzer – uma distinção tipicamente atribuída a obras jornalísticas.
Esta história aos quadradinhos conta, com mestria, a vida dos pais do autor como sobreviventes dos campos de concentração em Auschwitz. No livro, os judeus são ratos, os nazis são gatos, os polacos não-judeus são porcos e os americanos são cães.
É, então, incontornável a importância histórica e social que a BD, enquanto forma de expressão cultural, acarreta. Porém, como é que sobrevive no mundo digital?
Quando Steve Jobs apresentou o iPad, a Marvel desenvolveu uma aplicação que permite ler as publicações nesse dispositivo. Entretanto, os artistas têm apostado no lançamento dos trabalhos na Internet, surgiram novelas gráficas com movimento e há bandas desenhadas em que o leitor intervém na história, acrescentando objetos, por exemplo.
Compreende-se, assim, que a banda desenhada pode criar mundos infinitos de fantasia, que se vão cruzando com a realidade. Entre vinhetas impregnadas de lições morais e tiras de entretenimento complexo, as narrativas são capazes de levar universos à imaginação de todas as faixas etárias.
Para os criadores de BD, a imaginação fica mais barata do que se fosse aplicada no cinema. Para os leitores, as obras de BD constituem uma oportunidade de serem eles próprios a marcarem o compasso de leitura. Ou seja, o ritmo da aventura.