«Autobiografia» – de José Luís Peixoto

No mais recente livro de José Luís Peixoto, Autobiografia, o jogo literário, começa logo no próprio título.

Esta obra é um romance que nos traz como principais personagens José Saramago e um jovem escritor em crise criativa (e não só) chamado José, na Lisboa de finais dos anos 80.

Ao jovem José, enquanto não escreve o seu segundo romance, é-lhe solicitado, por parte do seu editor, que escreva uma biografia de José Saramago.

Os restantes personagens do livro, excepto Pilar del Río, surgem com nomes de personagens de vários livros de Saramago, vivendo lado a lado com os autores e os leitores.

Numa narrativa, que mistura realidade com ficção, que passa entre idades e elementos dos dois autores, Autobiografia vive de várias camadas ou espelhos (lembram-se de O Homem Duplicado?). Quem é o José? Qual José é o José? Que José escreve o quê? Numa espécie de trompe-l’oeil da escrita.

Talvez o próprio título e a capa do livro nos deem logo algumas pistas do que se passa neste romance, qual filme de David Lynch em genérico inicial.

O título remete-nos para a seguinte frase: “Toda a obra literária leva uma pessoa dentro, que é o autor”, José Saramago, 2002. E os vários pedaços de papel rasgado, na capa, poderão muito bem ser o cruzamento da realidade e ficção, da vida pessoal e literária de José Saramago e José Luís Peixoto. Uma coisa que pode ser outra coisa. O jovem escritor José que se demora na escrita do segundo livro pode ser José Saramago e o intervalo de trinta anos entre o seu primeiro e segundo romance (pelo meio escreveu Claraboia, apenas editado postumamente).

Quem conhecer um pouco dos dois autores, vai encontrar várias referências ao longo do livro, que vão fazer ligação a outras. Quem não conhecer vai querer saber tudo e ler tudo, de um e outro.

Aconselho a leitura e releitura.

[box type=”info” align=”alignleft” class=”” width=””]Facto curioso para mim, neste livro, foram os locais onde decorre a acção. O percurso que bem conheço e tantas vezes fiz, no final dos anos 90: Olivais-Sacavém e a Quinta do Mocho, que conheci desde muito novo, ainda antes da maneira como o autor tão bem a descreve. Cruzei-me com muitas Lídias e quem sabe, com muitos Domingos[/box]
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