Este ano, não fui eu a falar do Natal. Não fui eu que, contando avidamente os dias, procurei justificações para antecipar o ritual natalício de decorar a casa a preceito. Nem sequer ainda trouxe à vida os cds temáticos que andam sempre comigo no carro, e que começo por norma a ouvir muito antes de dezembro surgir no calendário. Não vibrei sequer com a esforçada tentativa das lojas de decoração de animar a época, enchendo-se de presépios, duendes, velas, loiça, toalhas e quadros do tema, a que habitualmente teria extrema dificuldade em resistir. Este ano foram os meus adolescentes, talvez estranhando o meu atraso, que me interpelaram: então quando é que fazemos a árvore?
Nos numerosos natais que já passei, vivi um pouco de tudo. Já tive, em criança, a casa cheia de avós, tios, primos. Já assisti ao diminuir do núcleo da noite de Natal, porque os primos mais velhos foram casando e rearranjando um novo núcleo com a sua recém-formada família. A minha avó foi internada no hospital numa noite de Natal, de onde já não saiu. Os outros avós também faleceram entretanto.
Depois formei a minha própria família e o ponto alto dos meus natais devo-o ao nascimento do meu filho e à recuperação da magia que tal me proporcionou. Depois veio um divórcio, e nesse ano foi talvez o natal mais difícil da minha vida. Embora o meu ex-marido e a minha ex-sogra me tivessem convidado para passar o dia com eles, achei que não faria sentido. Alguns amigos que não esperava também me convidaram. Outros que esperava, não o fizeram. Desculpei-me a uns com os outros, e passei o dia sozinha, na pressa que o dia terminasse, procurando convencer-me que era só mais um dia, e que em outras partes do mundo era apenas um dia comum.
Voltei, mais tarde, a ter a casa cheia, com um novo marido e 3 adolescentes que este ano parecem ter tomado a dianteira da decoração. Regra geral, sou uma criança a mirar as cores, os enfeites, a cantarolar as músicas e a ter um prazer desmedido na preparação do evento, seja pela escolha das prendas, que reduzi aos mais próximos, seja pelo escolher da ceia, da toalha, da loiça, do arranjo de centro de mesa que faço com verdadeiro sentido festivo. Mantenho em mim sonhos e músicas de Natal que tiveram um significado especial e me lembram outros natais. Ainda sorrio quando me lembro duma amiga cujo sonho, em miúda, era vir a passear na Baixa enfeitada, abraçada ao namorado que viria a ter. Coisas boas, coisas doces.
Contudo, não este ano. Procuro justificar-me com o ano atípico que tivemos, que não nos permitiu marcar compasso com festas. Não tivemos Páscoa, não tivemos Santos Populares, não tivemos férias de verão na alegre e efusiva manifestação do sol e do calor. Foi um ano longo e sem sabor, sem marcos importantes. Está a ser um ano cheio de dores e preocupações, e este Natal, será com certeza um período de maior solidão, sem o reencontro das famílias, pelo menos da forma entusiástica habitual. Até a publicidade traz ao de cima essa ausência, essa parca alegria.
No entanto e porque em todas as coisas menos positivas há coisas boas, acredito que este ano estejamos com quem queremos de facto estar, libertos da obrigação, por motivos sanitários, de ter de conviver com aquela cunhada fanfarrona, ou com a tia metediça, ou aquele primo que insiste em palpitar sobre tudo. Este ano, à minha mesa, estarão os meus, os da casa, os que passaram o ano comigo, os que não se lembram de nós apenas com dia marcado.
Posto isto, levanto os olhos do computador, e vejo que os miúdos ainda não acabaram a decoração. Dou por mim a sorrir, levanto-me, e junto-me a eles para terminar a tarefa, enquanto o marido me ajuda neste intento, pondo um entusiástico disco natalício no recém-comprado gira-discos.
Pode não ser um Natal vibrante, mas vai ser, sem sombra de dúvidas, um Natal de coração.
Melhor, né? Só com as pessoas queridas e mais chegadas.
Sem dúvida, aqueles que são de facto parte de nós.