Até já Turquia

​Quando se ouve falar da cultura turca a primeira coisa que vem à cabeça é a maravilhosa cozinha que este país possui. Desde os kebabs (ou kepap, em turco), aos doces turcos, à base de mel (impossíveis de resistir), estas são, sem dúvida, umas das melhores partes da cultura turca e que atraem milhares de turistas a visitarem o país todos os anos. Para outros, a arte e a cultura díspar da Turquia criam um mistério e convida-os a descobrirem as raízes deste país, que, embora pertença ao Médio Oriente, está situado na Ásia e na Europa. Afinal, qual deles merece a Turquia?

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 Geograficamente a Turquia, mais precisamente a cidade de Istambul (a maior cidade da Turquia, a quinta maior do Mundo e a mais populosa da Europa, com mais de 800 mil habitantes) é a ponte de ligação entre a Europa e a Ásia, por isso, primeiramente é conclusivo que pertence aos dois continentes. Esta é a única cidade no mundo a ocupar dois continentes (Ásia e Europa). No entanto, em termos territoriais e até na localização da capital turca, Ancara, o continente asiático é a grande detentora da Turquia (97%). Em termos políticos (portanto, o interesse do país), a Europa é a preferida para os turcos e a prova disso é que, desde 14 de Abril de 1987, a Turquia tem-se ocidentalizado aos poucos e poucos.

 Hoje em dia, 99% da população turca é oficialmente muçulmana e a Turquia é a sucessora do império Otomano (o líder do Muçulmanismo). Serão estes factos suficientes para decidir se a Turquia tem uma identidade islâmica? A República da Turquia inspirou-se no mundo ocidental para criar a sociedade. A democracia, o laicismo (secularismo), o alfabeto latino, o sistema educacional, o sistema jurídico, são algumas das inspirações a nível citadino que contaram com a Europa. A Turquia é também um membro de organizações que são originais do Ocidente – a NATO e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Para além disso, a música e a generalidade das artes ocidentais, como a moda (a revolução dos chapéus é a mais simbólica), são também aspectos que traçam a cultura turca numa época modernista.

Em termos sociais, a igualdade a nível jurídico, educacional, de empregabilidade (varia consoante o estado civil, a educação, o trabalho e a família) e de saúde, está quase assegurada entre mulher e homem. Na política, porém, as mulheres ainda não alcançaram a dita igualdade, uma vez que, legalmente, podem seguir carreiras como embaixadoras, governadoras dos condados, assistentes de governadores, assistentes de subsecretário do deputado e diretores gerais, sem terem direito de participar politicamente, nem de serem representantes de um partido.

​Deste modo, ainda que a Turquia seja composta na sua maioria por Muçulmanos, as reformas ocidentais são uma constante na sociedade deste país que ambiciona fazer parte da União Europeia. A questão agora põe-se: quererá a União Europeia receber a Turquia?

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Porque não a Turquia?

Para o presidente da União Europeia a questão é mais: porquê a União Europeia? Segundo Herman Van Rompu, a situação actual da Europa não está propriamente convidativa.

“I can’t believe that anybody’s serious about joining the EU right now … It’s like saying: ‘It’s a beautiful house – it happens to be on fire at the moment – we should buy it’,” referiu Herman Van Rompuy.

​ Independentemente da situação geográfica da Turquia, a verdade é que a vizinhança deste país assusta a Europa. As televisões europeias (e possivelmente em todo o Mundo) mostram que os bombardeamentos e ataques terroristas existentes nos países fronteiriços com a Turquia (Síria, Iraque, Irão, Arménia e Geórgia) são tudo menos estáveis para a pacífica Europa. Não esquecer que a questão dos curdos poderia vir a afectar a Europa, já que a Turquia assume um conflito que dura desde do século VII.

​ A nível económico a Turquia também não se encontra propriamente bem qualificada, quando comparada com os Estados-Membros da União Europeia. A agricultura na Turquia é, sobretudo, arcaica e a indústria e o comércio precisam de ser mais desenvolvidos para poderem competir com os restantes países europeus e para o custo de adesão na EU ser menos pesado.

“Today, we have three general problems: the lack of an agricultural inventory, lack of an agricultural policy and the lack of agricultural production planning”, referiu Mehmet Mehdi Veker, Ministro da Agricultura na Turquia.

​A questão política também é motivo de preocupação na União Europeia. O ano corrente tem sido marcado por manifestações sociais provocadas pela divisão cultural existente na Turquia. A revolta popular que inicialmente era explicada pela construção de um centro comercial num parque de Gezi (em Instambul) e uma grande mesquita na Colina Çamlica, rapidamente se transformou numa crítica política ao governo rigidamente autoritário de Recep Tayyip Erdogan. Face a esta situação, a Turquia actualmente presenteia-se com confrontos entre os seculares e os religiosos, e os democratas e os autoritários. Grande parte da população turca não aguenta com as medidas autoritárias de Recep Tayyip Erdogan. Para além recearem a instalação da lei de sharia (e a consequente abolição das medidas impostas pelo Estado secular de Kemal Ataturk), criticam a possessão sobre Comunicação Social e a censura da Internet, as restrições relativamente ao consumo de álcool, a proibição de batom vermelho nas hospedeiras da Turkish Airlines, a desproporcionada desigualdade de rendimentos, o aprisionamento dos opositores políticos e, recentemente, a reação violenta às manifestações (ver mais aqui). Para a Turquia fazer parte da União Europeia, a questão política de Erdogan deve ser definitivamente resolvida e os Direitos Humanos devem ser respeitados.

Deste modo, se chega a outro obstáculo para a entrada da Turquia na União Europeia: a religião. Os confrontos que se têm vivido na Turquia atingem ainda uma minoria religiosa que era protegida pelo Estado  secular kemalista. Os alevitas, religião predominante em maioria na Turquia, não creem na política de Erdogan. Ao que parece, o governador turco desejava nomear a nova ponte sobre o Estreito de Bósforo com o nome de um sultão do século XVI (“Ponte Sultão Fatih Mehmet”, conhecido como o Conquistador pois conquistou Instambul e terminou com o Império Bizantino) que havia massacrado os Alevitas.

A acrescentar a essa questão, a religião preferida na Europa é o cristianismo, baseado nos princípios Judaico-Cristãos. Na Turquia, embora tenha um Estado Laico (não tem uma religião oficial e é receptiva a outras religiões), tem um maior número de muçulmanos. Obstante das regalias que a criação de uma nova religião poderia surtir, esta não é a visão europeia.

“The universal values which are in force in Europe, and which are fundamental values of Christianity, will loose vigour with the entry of a large Islamic country such as Turkey.” (Herman Van Rompuy em 2004)

Por fim, outro motivo de apreensão para a entrada da Turquia está na elevada demografia que este país apresenta. Com a entrada da Turquia na União Europeia, este seria o país mais populoso (ainda mais populoso que a Alemanha que tem 82 milhões de habitantes) e teria, assim, um voto muito importante nas decisões do Parlamento Europeu e restantes instituições europeias. Poderá a União Europeia confiar num país com uma diversidade cultural extrema?

Pode-se concluir, deste modo, que a Turquia não tem de permanecer para sempre no meio, sem uma clara identidade. Palavras vazias não enchem um estômago vazio e se a Turquia continuar à espera que o dia D chegue, mais vale mudar de ideias. O papel actual deste país é de mediador pacífico com dupla identidade (ou tripla). Porquê escolher uma? Porque não continuar com esta evolução que só trará benefícios ao país e aguardar que a Europa faça parte da Turquia (e não só vice-versa)? Alguns países são a favor desta adesão (sim, o nosso também) e  ainda que o caminho seja longo, o avanço é perceptível.

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