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As marcas de um passado indizível

Já passaram cerca de 40 anos, após a guerra colonial, no entanto, os filhos de ex-combatentes cresceram com uma infância marcada por um lar atravessado pelos destroços da guerra.

Entre 1961-1974, Portugal manteve em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau uma longa guerra colonial, que não era publicamente assumida. A memória desta guerra na sociedade portuguesa contemporânea liga-se a três acontecimentos históricos marcantes, nomeadamente, o final da ditadura salazarista, o 25 de Abril de 1974 e a descolonização. A magnitude destes acontecimentos na história contemporânea portuguesa não estão suficientemente estudados, deste modo, a guerra colonial é vista como algo externo e não como algo de profundamente interno a Portugal e aos países africanos, entretanto, independentes. Assim, a história destes tempos mantém-se reservada aos grupos que viveram, no pleno, este período.

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O ultramar foi um período conturbado da nossa história que deixou marcas indeléveis no património histórico e mnemónico de muita gente. Os conhecidos “retornados” experimentaram na pele um estigma que os perseguia para onde quer que fossem. Em boa verdade, eram vistos como “portugueses de segunda”.

Os filhos de pais que combateram na guerra colonial têm sempre a palpitar dentro de si uma pergunta acutilante: “Pai mataste alguém?”. Pergunta esta, à qual, na maioria das vezes, não encontram resposta. O feedback sobre este período tenebroso era importante para que os filhos percebessem a situação extrema que, de alguma forma, moldou os pais que tiveram. A figura paternal da altura da guerra foi educada sob a égide de uma veia varonil que não aceitava que um homem chorasse, que contasse os seus medos, especialmente aos seus filhos.

Deste modo, as crianças cresceram com pais que sofriam com stress traumático da guerra, mas que, no entanto, não admitiam que tinham uma patologia, e mesmo que os filhos ou as esposas sugerissem apoio psicológico, a maioria dos soldados deste tempo não admite ser visto como um “pai fragilizado”.

A figura maternal também ficou muito afectada por esta guerra. As mulheres deitavam-se ao lado de homens que tinham pesadelos, que saiam à rua e encaravam os negros como inimigos, sem fazer a destrinça entre a realidade e a guerra colonial.

Em suma, os filhos de ex-combatentes portugueses revelam traços intergeracionais relevantes. Por um lado, temos o grupo dos filhos de desertores, cuja narrativa biográfica está associada à recusa do pai, com uma infância vivida fora do país que vão tentando descodificar ao longo do tempo. Por outro lado, há um segundo grupo, que diz respeito aos filhos de homens profundamente marcados física ou psicologicamente pela guerra, que se traduz numa maior vulnerabilidade na vida adulta associada a lacunas psicológicas e emocionais.

A guerra “indizível” traduziu-se nos “filhos da guerra”, que são pessoas sem memórias próprias que foram imbuídos pelas narrativas dos pais. Atualmente, procura-se produzir conhecimento sobre esta guerra, de forma a construir uma memória colectiva pública. Através de filmes, estudos e da literatura, vamos aos poucos percebendo o sofrimento psicológico que este acontecimento trouxe.

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