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As cicatrizes deixadas pela Troika

Há um antes e um depois de Maio de 2011. A vida dos portugueses não é a mesma, disso ninguém tem dúvidas. O caminho percorrido até aqui tem sido longo e doloroso. O país enfrenta a situação económica e social mais crítica da sua história recente. Três anos depois, chegamos finalmente ao fim do programa de assistência. Numa saída aclamada pelo Governo do PSD-CDS como “limpa”. Chegou o momento de olhar para trás e relembrar o que foi feito e avaliar o que correu bem e o que correu mal. É também momento de encarar o futuro e perceber as expectativas de Passos Coelho e da sua comitiva. Estará o país a entrar numa nova fase?

Viver com menos dinheiro

Os últimos anos dos portugueses resumem-se a: mais impostos, menos salários. Uma saga iniciada no Verão de 2011, aquando do anúncio da sobretaxa extraordinária de IRS, de 3,5%. Nesse ano, 1,7 milhões de contribuintes foram atingidos, tendo a maioria pago com o subsídio de Natal, desse mesmo ano. Uma medida que contínua em vigor. Todavia, mais surpresas se preparavam para vir à tona. Ainda o povo não tinha recuperado deste abanão e já 2012 trazia consigo a subida do IVA para os 23%. Uma das medidas mais polémicas do Governo de Passos Coelho. Vários produtos e serviços deixaram de ser taxados a 6% e a 13%, foi o caso da eletricidade (de 6 para 23%). Sabe-se de antemão que, para 2015 o IVA vai-se fixar nos 23,25%, o que poderá implicar fortes consequências, em áreas como a restauração, que é como se sabe, uma das mais sensíveis. Se no que toca ao IVA o Governo mostra não estar satisfeito, o mesmo se pode dizer do IRS. No ano passado (2013), o IRS foi alvo de mais mudanças. Os escalões foram reduzidos e as taxas aplicadas foram aumentadas. Foi o caso das pessoas do último escalão que viram subir a taxa de rendimento para os 46,5%. 2014 também não está isento de mexidas nos impostos. O Imposto Único de Circulação, o tabaco, o álcool e as bebidas alcoólicas sofreram todos aumentos.

A rotina laboral mudou radicalmente. Desde logo, foram abolidos quatro feriados: o Corpo de Deus, o 15 de Agosto, o 5 de Outubro e o 1 de Dezembro, estes dois últimos com grande significado para a História de Portugal. Horas extraordinárias e dias de feriado passaram a ser pagos a metade, enquanto que o número de dias de férias foi reduzido e sempre que uma empresa faça “ponte” os dias de férias dos trabalhadores são descontados. A adicionar a tudo isto: em caso de despedimento, a indemnização foi reduzida para o equivalente a 12 dias de salário por cada ano de serviço (recorde-se que antes da Troika eram 30 dias), os desempregados desde 2013 recebem menos de 6% de subsídio (limitado ao tecto de 1048 euros) e o subsídio de doença caiu 5%.

Nesta maratona de cortes, a Função Pública é provavelmente a mais esquartejada. Em 2011, todos os funcionários públicos com salários superiores a 1500 euros viram uma redução no seu vencimento entre 3,5 e 10%. Este ano (2014), passou a abranger também quem ganha mais de 675 euros brutos por mês, começando nos 2,5% e subindo até aos 12% para salários acima de 2 mil euros brutos e isto é apenas a ponta do Iceberg. Ora relembremo-nos. A progressão nas carreiras foi congelada, logo em 2011. Os funcionários públicos foram chamados a aumentar a sua contribuição para a ADSE, de 1,5% para 2,25%, no segundo semestre de 2013, e de novo para 2,5%, este ano (2014). Sabe-se de antemão que vai subir em breve para 3,5%. Outra polémica é a mobilidade especial apelidada de requalificação. Quem for colocado nesse regime actualmente vai ganhar ainda menos, já que a lei apenas prevê o pagamento de 60% do salário nos primeiros 12 meses e 40% a partir daí, limitando a um máximo de 1257 euros e a um mínimo de 485 euros. Não podemos esquecer do caso dos subsídios de Natal e de férias, em que a função pública e os pensionistas não os receberam em 2012. Felizmente esta situação já está a ser reposta.

Falando nos pensionistas, também estes sentiram uma redução nos seus rendimentos fruto da inserção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), criada no Orçamento do Estado para 2011 e que atingiu os rendimentos superiores a 5000 euros. Uma medida que haveria de ser revista passados dois anos, com o patamar dos cortes a baixar para 1350 euros e para 1000 euros em 2014, modificando ainda as respectivas taxas.

Nem a saúde escapou. Ir a uma consulta, ou às urgências, bem como fazer exames médicos, ficou mais caro com a troika. Inclusive, a comparticipação do transporte dos doentes sofreu um corte.

As privatizações

A entrada da Troika no país significou também o acelerar das privatizações. A primeira foi a EDP, em Dezembro de 2011, com a venda de 21,35% da eléctrica à China Three Gorges, por 2,69 mil milhões de euros. Seguiu-se a venda de 40% da REN aos chineses State Grid (25% do capital) e aos árabes da Oman Oil Company (15%), por 593 milhões de euros. A última fase da REN, onde o Estado ainda possui 11,1%, deverá ficar concluída este ano. A compra da Ana pela francesa Vinci foi já em Dezembro de 2012 e representou um encaixe nos cofres do Estado de mais de 3.080 milhões de euros.

No final do ano passado (2013), foi a vez da venda de 70% dos Correios de Portugal, através de uma operação de dispersão em bolsa com 567 milhões de euros a ir directamente para a conta do Estado. Os restantes 30% também devem ser vendidos.

Por fim, o ano corrente (2014) iniciou-se com a venda de 80% da Caixa Seguros (seguradoras do grupo CGD) à companhia chinesa Fosun Internacional, por mil milhões de euros, que serão, contudo, usados para a recapitalização do banco público.

Ao todo o Estado já lucrou 8,7 mil milhões de euros com as privatizações. Em cima da mesa, estão ainda a TAP, a CP Carga e a Empresa Geral do Fomento (EGF), assim como as concessões a privados das empresas de transportes de Lisboa e Porto.

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Medidas positivas

Olhando para trás, não se pode dizer que todas as decisões tomadas foram más. A avaliação dos imóveis é um desses casos. Existiam inúmeras moradias com avaliações completamente desactualizadas, ou mesmo sem qualquer registo nas Finanças. Com o lançamento desta medida, em 2012, tem sido possível uma maior justiça no IMI, com mais casas a pagar efectivamente o seu valor real, embora ainda seja um trabalho com um longo caminho pela frente. Pena é que foi logo num momento em que as famílias portuguesas tinham menos recursos económicos para assegurar o aumento desta despesa.

Outra medida positiva e que deveria ter-se mantido em 2014 foi a taxa adicional de solidariedade (de 2,5%), que vigorou durante 2012 e 2013. Atingia todas as pessoas singulares que excedessem o último escalão de rendimento previsto no código do IRS, isto é, valores acima dos 153,3 mil euros/ano. Assim como, todas as empresas com lucros tributáveis acima dos 1,5 milhões de euros, neste caso eram aplicadas a taxa adicional de 3%. Em momentos críticos como o que temos vindo a viver em Portugal nos últimos anos, é imperioso que os mais ricos sejam convocados à causa maior de salvar o país da bancarrota. Ao não dar continuidade a esta medida, o Governo dá a entender que apenas os mais pobres ajudam a pagar a dívida do Estado.

Por mais que nos custe a todos, o aumento da idade da reforma era inevitável para o bem da sustentabilidade da Segurança Social. Agora é necessário que a pessoa tenha 66 anos para se reformar e mais – reformas antecipadas aos 55 anos deixaram de ser possíveis, desde 2012. Se ainda há bem pouco tempo bastava uma folha de bacalhau para convencer o médico a passar uma declaração que nos assegurasse este rendimento fixo ao fim do mês, agora não passa de uma ideia utópica.

É unânime que as mexidas feitas na Função Pública têm sido duras, mas algumas pecam pela demora, é o caso da redução do número de trabalhadores. O que não faltavam era serviços municipais entupidos de funcionários. Em Dezembro de 2011, havia 612 mil trabalhadores nas administrações públicas e, em 31 de Dezembro de 2013, foram contabilizados 563 mil. Ou seja, menos 49 mil funcionários. Desde Setembro que estão em curso programas de rescisões.

A austeridade acabou por ter os seus resultados: o equilíbrio das contas externas, que foi resultado, é certo, a muito custo da contracção da despesa interna, mas também do dinamismo da actividade exportadora. Se antes da entrada da Troika o país nem sequer tinha reservas para um mês, agora tem para um ano.

O que esperar do futuro

Portugal tem hoje uma economia mais disciplinada e menos dependente do Estado. O sector exportador tem sido obrigado a adaptar-se à globalização e o resultado está à vista de todos, com níveis de crescimento recorde. O turismo também tem sido uma mais-valia nesta luta. Porém, continua a ser preocupante a questão do desemprego que tem empurrado milhares de jovens para situações de trabalho precário, bem como as pessoas com mais de 45 anos e de baixa escolaridade. A acrescentar, as taxas de emigração continuam a aumentar, dia a pós dia. Ainda se torna mais desanimador, quando as estatísticas apontam que 25% dos portugueses estão em risco de pobreza (2,7 milhões de habitantes). Pode até ter sido uma batalha vencida o não requerimento dum programa cautelar, mas esta guerra contra a crise ainda está longe de terminar. Passos e a sua comitiva já avisaram: o rigor orçamental é para manter. O aumento do IVA, a decisão de aumentar as contribuições da TSU e os cortes nas reformas e pensões que passaram a ser definitivos, bem como a continuidade dos despedimentos na função pública, são prova disso mesmo.

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