Inteligência artificial

Artificial, mas não tão inteligente

Exceptuando os eventos noticiosos normais da actualidade, não se fala de outra coisa senão da inteligência artificial. Parece que a partir de determinado momento deste ano de 2023 tudo é ou deriva da «inteligência artificial».

Seja referente ao que já existe desde sabe-se lá quando, mas sofreu uma reformulação ou melhoramento, passando por quaisquer avanços técnicos ou científicos, e terminando nas previsões mais ou menos fatalistas e aterradoras sobre o fim da Humanidade… Lá está o termo da moda, que já me dá um certo engulho: inteligência artificial.

Meus caros, não aprecio este tipo de mediatismos exagerados e repetitivos. Como tal, gostava de desconstruir esta moda de que tudo advém de engenhosas e divinas máquinas computacionais magicamente inteligentes ou, mais realisticamente, dos programas e algoritmos informáticos que estas operam.

Um sistema baseado em lógica e probabilidades, mais ou menos controlado, é muitíssimo eficaz e competente, mas não é inteligente.

O estado da arte

É verdade que temos assistido a grandes avanços tecnológicos nos últimos tempos. Nenhum desprimor para tais avanços, entenda-se. Surge uma grande invenção capaz de revolucionar o nosso modo de vida cada vez mais amiúde. E isso é bom. Contudo, sejamos honestos e reconheçamos: não foi sempre assim? É o que chamamos de «progresso».

O progresso é um processo contínuo. As novidades tecnológicas, elas próprias, fazem com que a rapidez com que aconteçam seja cada vez maior. A frequência das descobertas aumenta exponencialmente com base, precisamente, no conhecimento acumulado dos avanços anteriores. A única novidade é que só agora prece ter começado verdadeiramente a revolução digital tão prometida. As anteriores, de repente, já não parecem revoluções.

Vislumbra-se a criação de entidades digitais que se preconiza tornarem-se autónomas e «pensar» por si. Essa é a premissa do afamado ChatGPT, e outros sistemas semelhantes em ascensão. Muito, ou melhor, principalmente, devido à euforia (hype) criada pelos meios de comunicação e que, depois, é repetido, usado e abusado para tudo e mais alguma coisa.

O ChatGPT

Lamento desapontar-vos, mas o ChatGPT não é ainda capaz de manter uma conversa «humana», como se reclama. Também não é o forte de alguns humanos, diga-se. Não passa de uma coisa artificialmente inteligente. Depois de testar a ferramenta, tenho a confessar uma certa desilusão. Eis algumas razões para tal, só a título de exemplo:

  • Numa conversa não estou sempre a avisar de que sou um robô, e que a informação que dou poderá estar errada. Não cumprimento, tal como não me despeço do interlocutor em cada interacção. Eu, com toda a certeza, tentaria iludir o meu interlocutor tentando parecer-lhe natural;
  • Tem demasiados maneirismos do inglês, que não se aplicam a outras línguas. Por exemplo, adicionar a palavra hoje (today) no final de muitas frases, dando a sensação de uma tradução de má qualidade: “como se sente hoje?/o que deseja fazer hoje?/como posso ajudá-lo hoje?”;
  • Embora seja possível algum encadeamento e evolução da «conversa», o sistema repete-se muito, tende a esquecer o que foi falado antes, recomeça o assunto do início, não aprende facilmente, entre variadas outras falhas deste tipo;
  • Aquilo tenta, e até se safa bastante bem em comparação com os tradutores automáticos mais populares, mas não consegue produzir texto em português europeu de forma consistente.

A inteligência

Todo o software existente hoje foi escrito por homens e mulheres como nós. Humanos, portanto. Apesar de se ouvir dizer que o ChatGPT é capaz de programar, não é fácil encontrar evidência de tal. Há demasiadas falhas e inconsistências conceptuais para que se possa considerar «inteligentes» determinadas ferramentas digitais que vão surgindo como cogumelos.

Tudo é, invariavelmente, desastrosamente desolador ou incrivelmente inacreditável.

Inteligência pressupõe a existência de faculdades intelectuais como o raciocínio, o juízo, a abstracção, a imaginação, entre outras. Quanto a mim, todas estas faculdades são completamente inexistentes nestes sistemas. Um sistema baseado em lógica e probabilidades, mais ou menos controlado, é muitíssimo eficaz e competente, mas não é inteligente.

As ferramentas que existem hoje são construídas com propósitos específicos, e programados para responder de determinada forma, ainda que generativos. São bastante úteis e deve dar-se o devido valor, mas adjectivá-las de inteligentes é um exagero. Devemos considerar inteligentes, sim, os seus programadores, os cérebros por detrás das milhares de linhas de código que operam os sistemas.

O futuro

Não há dúvida de que os programas informáticos estão a tornar-se assustadoramente completos e complexos. Isto levanta questões éticas enormíssimas que urge debater para evitar que fiquem fora de controlo.

Algumas preocupações recorrentemente levantadas actualmente relativamente à inteligência artificial são, por exemplo, a criação artística e os respectivos direitos de autor; as profissões em risco de desaparecer.

Mas essas são as questões mais superficiais, quanto a mim. Ou, no mínimo, poderão ser debatidas depois. As questões de fundo da inteligência artificial, e que merecem ser verdadeiramente debatidas, assemelham-se mais às três leis da robótica de Isaac Asimov que, embora tenham a sua génese na ficção, são as que me parecem mais realistas.

A primeira lei da robótica de Asimov prescreve a proibição de ferir qualquer ser humano; a segunda lei dita a obrigatoriedade de obedecer às ordens dadas desde que essas não entrem em conflito com a primeira lei; a terceira, que a entidade inteligente deve proteger-se desde que isso não entre em conflito com as leis anteriores.

O futuro será uma espécie de Matrix?

Tememos ser ultrapassados pela inteligência artificial, mas nem sequer  estamos a tomar medidas para que isso não aconteça. Verdade seja dita, não se vê nenhum debate neste sentido…

Enfim, estas inovações deixam ainda muito a desejar quanto ao que é prometido nos meios de comunicação de massas onde tudo é, invariavelmente, desastrosamente desolador ou incrivelmente inacreditável.

Poderá tudo isto ser o primeiro passo da criação daquilo que se tornará uma entidade digital etérea, autónoma e verdadeiramente inteligente? O futuro será uma espécie de Matrix?

Não cedamos precipitadamente a alarmismos, por enquanto. Quanto a mim não passam, ainda, de algoritmos a correr.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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Comments 2
  1. Parabéns pelo artigo! Também testei esta aplicação e não me satisfez inteiramente e percebe-se que é linguagem robotizada. Não tem capacidade de se fazer substituir aos humanos no entanto os humanos podem usar esta ferramenta para outros fins menos éticos. Gostei de ler o artigo. Importante questão a reflectir.

    1. Obrigado pelo seu comentário.
      Apesar dos diversos defeitos que tem, o ChatGPT representa, de facto, um pequeno avanço em relação ao que existia antes. Ainda assim, eu não lhe chamaria inteligente, e acho a forma sensacional como está a ser «vendido» um tremendo exagero! O que é urgente é que se debata as questões éticas e todas as implicações que rodeiam a inteligência artificial.

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