O título pode parecer uma frase batida, mas a verdade é que, depois de tanto tempo de confinamento, sair de casa pode ser assustador e desafiante. O medo, aquela coisa com picos e que faz comichão interior, assobia ao ouvido de quem se deixa levar em duas cantigas. Abrir a porta, respirar ar, mesmo que poluído, é uma aventura em que muitos se perdem ou tentam afastar.
Há um sentimento comum de agorafobia, a desconfiança do outro, o receio de que possa acontecer algo de negativo. Tudo o que é natural a quem não sabe resolver contendas e que se encolhe, quando um problema ou uma situação mais complexa bate à porta. Que lhe fazer? Resolver e as opções podem ser variadas. Recordando o actualíssimo Sermão de Santo António aos Peixes e o seu conceito predicável: “Vós sois o sal da Terra”, façamos uma pequena viagem pela água das nossas vidas.
Acontece que de pregadores estamos todos cansados e estes, tal como no mencionado Sermão, dizem uma coisa e fazem a outra, deixando que a Terra, todos os que os ouvem, se deixem corromper. É assim que se avança na nossa sociedade. Os corruptos safam-se sempre e ainda têm direito ao papel de vítima. Uns fogem para locais incertos, mas, com toda a certeza, cheios de mordomias e outros ficam doentes, esquecendo-se das suas obrigações. Um louvor a peixes podres que gozam, descaradamente, com o cardume que labuta para manter o sustento da casa.
Fechar-se num local, supostamente seguro, é sinal de falta de crescimento, de infantilidade crónica que leva a mundos onde os unicórnios dourados se cruzam com elefantes azuis. Afinal, o que significa seguro? Viver num mundo de perpétua fantasia onde as fadas, com as suas varinhas de condão, salpicam as pessoas com poções e alegrias para que nada lhes aconteça de errado? Há que abrir portas e janelas, arejar os espaços que ficaram enclausurados e cheios de teias de aranha, para que deixe entrar a cor e a alegria. O caixão forçado já lá vai e a vida precisa de força para seguir o seu curso.
Cada ser ficou pequeno, devolveu-se à criança que nunca foi ou que acabou por ser forçada a ser. Uma criança que precisa que lhe digam o que fazer, só que é adulta e devia ser racional e pensar por si, retirar as suas ilações com a lucidez que o adulto deve ter, é deplorável. Há que saber distinguir entre o trigo e o joio, separar os grãos e perceber quais são os que podem medrar. Esses, depois de semeados e bem cuidados, produzem as flores e os frutos que tanto se deseja,
Viver é um risco e um desafio. Cada dia é uma nova aventura que não se pode repetir. Há quem consiga emendar os erros do passado e outros terão que ficar intocáveis. Viver é beber a graciosidade dos toques invisíveis, é querer que não se pare de sonhar e desejar respirar novos aromas para sentir sabores tão apetecíveis, que não se quer parar. Quem tem medo de viver pode encontrar uma toca para hibernar.
Depois de tanto tempo na Alegoria da Caverna, o mundo real e verdadeiro está livre para ser explorado. Deixemos as sombras a que fomos sujeitos e, de coração aberto, avancemos sem medos para a luz que apela a ser tocada. Tão forte que é, pode ilusionar com a ideia de queimar, mas este calor é o tal que induz a produção e a criatividade. O homem é um ser incompleto, mas sabe como abrir portas e caminhar, mesmo que trôpego, pelas estradas da ventura.