Afeganistão: irritante déjà vu

A facilidade com que os talibãs retomaram o poder no Afeganistão foi tão impressionante quanto a forma como foi feita a retirada das forças aliadas, nomeadamente, americanas. A retirada apressada e desorganizada fez recordar o que aconteceu no Vietname.

Ao lermos as notícias surge sempre a questão: seria possível outro desfecho? O Afeganistão é apelidado de cemitério de impérios pela forma como, através de uma resistência lenta e persistente, consegue derrotar as potências externas. Contudo, o desfecho é sempre o mesmo, porque são aplicadas medidas iguais. Ou seja, o que motivou a derrota americana, não obstante, a sua superioridade, foi o facto de querer dominar os centros urbanos e o Poder central, quando, na verdade, o poder estava disperso pelos vários líderes locais que não foram tidos em conta.

Quando um país é invadido, a preocupação passa pela defesa tenaz da capital. Afinal, um Poder que nem a sua capital consegue defender não apresenta condições objetivas de governação. Contudo, esta não é uma fórmula que possa ser aplicada a qualquer caso. O governo talibã caiu rapidamente, mas nunca deixou de ser presença constante.

O livro Os Sete Pilares da Sabedoria foi escrito por T. E. Lawrence e narra a sua participação na insurreição árabe contra o Império Otomano. Escrito 79 anos antes da invasão afegã, é notável o paralelismo entre um cenário e o outro.

Frequentemente, é possível ler a preocupação para que as tribos estivessem alinhadas com a resistência. Vejam-se alguns excertos: “as tribos (…) passariam para o nosso lado assim que vissem acenos amigos da parte dos britânicos”; ou ainda “encontrava-se o sheik ibn Jad, equilibrando a sua política a fim de bandear para o lado do mais forte” e “se a coluna de Medina [turcos] avançasse, os Harbs bandeariam também”. O que podemos ler nas entrelinhas é que as tribos eram tão voláteis quanto o equilíbrio de forças ou que a lealdade se baseava em quem se mostrasse mais forte.

A forma como os americanos lideraram a guerra e como a terminaram já anteviam este desfecho. Num excelente documentário é curioso o comentário que um jovem camponês afegão faz sobre as forças aliadas: “eles dizem que vêm para nos proteger, mas vemos medo nos seus olhos”. Se é verdade que é difícil combater um inimigo que nunca se revela, também é verdade que a pior situação para uma força invasora é fechar-se nos seus quartéis. Quem pode aderir aos valores de um invasor que se esconde nas bases?

A presença americana trouxe muitos benefícios, mas à semelhança do que se verificou com a ocupação, apenas se fizeram sentir nos meios urbanos. E é neste ponto que se manifesta a reviravolta em favor dos talibãs. Aproveitando-se da fraca influência do poder central, a sua preocupação foi negociar com quem detinha o poder: os chefes locais. Foram frequentes as notícias sobre a mudança de lado nas várias regiões após estas negociações. Os chefes locais sabiam que sem o suporte da máquina de guerra americana, as forças governamentais nunca conseguiriam manter o poder.

As forças aliadas apenas almejaram dominar as estruturas de poder, porém, isso não é o suficiente para conquistar uma sociedade tribalizada. Conta-se que uns dos livros de cabeceira do general Vo Nguyen Giap, organizador da resistência vietnamita contra os franceses e posteriormente contra os EUA, era Os Setes Pilares da Sabedoria.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.

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