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ABBA

ABBA GOLD foi o primeiro álbum que tive na vida. No final da década de 80, início de 90, o meu pai saía muitas vezes do país em trabalho; a curiosidade para saber que oferta nos trazia – a mim e à minha irmã Maria – era grande, sobretudo quando, antes ainda de entrar na pré-adolescência, pouco ou nenhum voto na matéria eu tinha em termos musicais. Ela, sim, era mais entendida no assunto; o meu mundo era cinema.

Das cassetes que me calharam dessas viagens, recordo-me de três: The Very Best of The Bee Gees, de 1990, So Far So Good, o primeiro best of de Bryan Adams, lançado em 1993 e onde mostrou pela primeira vez Please Forgive Me, e a colectânea que viria a definir para sempre (pelo menos até hoje, vinte e nove anos depois), o meu gosto musical: ABBA GOLD, de 1992.

Em rigor, os primeiros álbuns que tive foram dois vinis oferecidos pela minha tia e pela minha avó que ouvi até à exaustão, que é como quem diz, até os riscar e perder a agulha do gira-discos: Ana Faria e os Queijinhos Frescos, de 1984, e Marco – dos Apeninos aos Andes, de 1977 (antes de eu nascer, portanto!). Não obstante, aos cinco anos encontrava-me ainda na fase da experimentação: tanto podia dar para astronauta como para bombeiro, jogador da bola ou cantor. Assim, a música permaneceu em hibernação até àquele ano de 1992. Julgo ter sido eu a pedir ao meu pai para me trazer a cassete dos ABBA, depois de ouvir insistentemente o reclame televisivo e, naqueles parcos segundos, o refrão de Chiquitita ter sido o único trecho que retive e a razão para pedir o álbum.

Lembro-me de ouvir pela primeira vez a cassete no walkman da PHILIPS que havia recebido pouco tempo antes (o rádio de duplo deck, que ainda hoje jaz na garagem do meu pai, chegaria depois). As poucas cassetes que eu tinha eram gravações. Ter algo original, com as músicas certinhas, sem “períodos mortos de acerto” ou canções esventradas a meio para continuarem no lado B, era um luxo. Retive Take a Chance on Me (#3), Super Trouper (#6), I Have a Dream (#7), The Winner Takes It All (#8), e do lado B: SOS (#1), Chiquitita (#2), One of Us (#7), The Name of The Game (#8) e Thank You For the Music (#9).

O rádio e leitor de cassetes da adolescência, anos 90

À medida que me ia afeiçoando àquele som, perguntava aos meus pais se conheciam esta ou aquela canção. Não sendo eles grandes conhecedores de música, lá indicavam uma ou outra, ou não fosse a banda sueca a segunda maior exportação da Suécia, à data, apenas suplantada pela Volvo (isto foi o que traduzi à minha maneira do livrinho explicativo que a cassete trazia, em inglês, acompanhado por algumas fotografias que, se o olhar desbotasse, não haviam fixado a cor por tanto tempo). A banda havia-se desfeito dez anos antes e, exceptuando ABBA Live, de 1986, aquele era o primeiro Best Of a sério dos ABBA.

Naquela altura eu ambicionava explicar o mundo através de toda a lógica que conseguisse recolher: as Ciências, e sobretudo a Matemática, foram as primeiras cadeiras que trouxeram alguma beleza à realidade (as letras e uma forma mais filosófica de olhar o mundo viriam mais tarde). Com esta bagagem, tenho a noção exacta do momento em que pensei, não só com os ABBA, mas muito por culpa deles, que, se estava a começar a ouvir música com uma das melhores bandas de sempre, a partir dali seria sempre a descer. Fiquei triste. Mas a verdade é que a profecia se converteu numa fatalidade (ou quase), e não voltou a haver outra banda capaz de causar tamanho frenesim interior, capaz de plantar um brilho nos meus olhos com uma simples foto, notícia ou acorde. Escavei a fita até desafinar, de tantas vezes a ouvir; perguntava à geração dos meus pais – amigos, vizinhos e familiares – se conheciam a banda e, se porventura um “sim” surgisse como resposta, alapava-me numa sequência de perguntas, ávido de saber mais um detalhe, quem namorava com quem, por onde tinham actuado, que outras músicas havia, etc… (internet era uma palavra que não ganhara ainda qualquer partida no campeonato tecnológico).

Ansiava por um regresso que nunca aconteceu nos meus anos de fã mais militante. Era a pré-adolêscência e o início das noites solitárias, deitado na cama, recolhido no quarto às escuras a ouvir a Rádio Nostalgia e a conhecer “música a sério”. As décadas de ouro (60 e sobretudo 70, permanecem como as melhores, destacadíssimas) e os sons de outros tempos. Foi assim que conheci Stevie Wonder, The Carpenters, Leonhard Cohen, The Beatles, ou outros menos conhecidos (digo eu) como John Denver, Don Mclean, The Supremes, Gilbert O’Sullivan, Barry Manilow e tantos mais artistas de quem ouvia as músicas sem nunca ter chegado a saber quais os donos das vozes que as cantavam. Os ABBA apareceram uma ou outra vez, mas a estação não era tão POP.

Um dia, num convívio pelo meu aniversário, – o sábado a seguir ao dia 14 de Maio calhava muitas vezes em noite do Festiva Eurovisão da Canção – sabendo que os ABBA haviam vencido o concurso em 74 com Waterloo, resolvi inquirir o meu padrinho acerca da banda:

– Acho que tenho lá em casa algumas cassetes deles…

O mar abriu-se para dar passagem ao primeiro grande reforço do meu conhecimento da banda: afinal havia outra colectânea anterior ao GOLD, formada por quatro cassetes (ao meu padrinho faltava-lhe uma), cada uma com uma letra que formava o nome da banda: Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad. Gravei o conhecido e o desconhecido, como segurança para o caso de o meu ouro original se gastar, e perdia o sono nas noites em que ouvia em loop tantas composições novas; a primeira grande novidade desde que os ABBA eram para mim as ABBA! Tiger, Hasta Mañana, That’s Me, Why Did It Have To Be Me, I Wonder, Honey Honey, Angeleyes ou Dance (While the Music Still Goes On) voltaram a siderar-me àquele ritual doentio de ouvir e cantar, como se em frente ao palco-cama onde eu actuava estivesse todo um estádio em apoteose, sendo eu o autor daquela correnteza de obras-primas.

Na Strauss, antiga loja de discos no Cascaishopping, vi um dia uma nova cassete: MORE ABBA GOLD! Vinte músicas, muitas coincidentes com o que eu havia “rapado” das cassetes do meu padrinho, mas ainda assim, nem que fosse por uma única, valeria certamente a pena. Em 1993, eu dependia das semanadas que o meu pai me dava para comprar cassetes (de vídeo), e juntar dinheiro. Em casa, fiz o choradinho para o meu pai me adiantar três ou quatro semanadas, de modo a poder completar os três contos que o CD custava. Não me recordo do desfecho, mas julgo que chegámos a um acordo intermédio: não me adiantou o dinheiro todo, mas tenho ideia que em vez de quatro semanas, pude comprar a cassete quinze dias depois. Our Last Summer, When I Kissed The Teacher, Head Over Hills e The Way Old Friends Do continuaram a deliciar-me e a alimentar a experiência alienante (que não mais voltei a experimentar) de ser um verdadeiro e profundo fã de uma banda de música (ou mesmo de qualquer artista, fosse de que área fosse).

Às sextas à noite passava na SIC, um programa que marcou a minha geração, Chuva de Estrelas, apresentado por Catarina Furtado e cuja primeira edição foi ganha por Sara Tavares. A canção final, Digo Para a Música, era um cover de Thank You for the Music, e recordo o ar triunfante com que “ensinava” os meus colegas a respeito da versão original. Mais tarde, o tom jocoso que alguns derramavam sobre a minha veneração ao Pop sueco de vinte anos atrás, surgiu com a entrada deles no Pop/Rock/Disco do momento. Enfim, ninguém é perfeito (nem eles nem eu!).

Em Setembro de 1993, estreámo-nos a andar de avião: fomos os cinco a Londres para as primeiras férias em família fora de Portugal. Algumas libras dadas pelo patrão do meu pai, outras recolhidas de trocos de viagens suas passadas e armei-me de quinze libras e alguns pence para atacar a grande cidade. Saímos em Heathrow e numa lojinha de CDs ainda no aeroporto, vejo duas cassetes dos ABBA… Waterloo e ABBA Live: entre os dois álbuns, talvez desconhecesse umas cinco ou seis músicas; deixei logo ali onze libras, perante alguns protestos do meu pai (Vais já rebentar o dinheiro todo?) em troca daquelas parcas maravilhas do mundo, para mim desconhecidas. Sempre que algo novo dos ABBA surgia, eu vestia-me de certezas e, hipnotizado, tinha que encontrar forma de obter. Mais tarde nessa mesma viagem, não me recordo se na loja da HMV se numa das Virgin Megastores, vi uma VHS: ABBA, the Movie. O filme retratava uma tournée do grupo pela Austrália mas pouco me interessava: fosse um filme pornográfico das Ilhas Fiji com a banda sonora do quarteto sueco e eu teria comprado na mesma. Claro que necessitei de bater do novo o pé, não me lembro se com a minha mãe ou com o meu pai, para conseguir trazer o filme (nessa viagem acabei por trazer mais música: Simon & Garfunkel – outra descoberta das noites da Nostalgia – e uma VHS de Cliff Richard em concerto). A ansiedade com que diariamente olhava para as cassetes dos ABBA, sem as poder ouvir até regressar ao lar, daí a uma longuíssima semana, é difícil de descrever (e de acreditar) hoje em dia, quando qualquer experiência artística do passado se encontra a um clic de distância. Claro que ouvir aquelas duas cassetes foi a primeira coisa que fiz quando cheguei a casa.

Já a adolescência borbulhava Clearasil pelo meu rosto (sem qualquer sucesso), quando o Manel, amigo desde a pré-primária, mencionou que um dos irmãos tinha uma cassete dos ABBA – o penúltimo (agora antepenúltimo) álbum de estúdio, Super Trouper – em casa. Fui de imediato inspecionar e faltavam-me quatro músicas: Andante, Andante, Me and I, Happy New Year e The Piper. Uma cassete virgem e toca de ouvir o carrossel de quatro, primeiro nas noites em que decorava, sonhava e adormecia, para depois aumentar o reportório do “meu” concerto simulado em que, num mundo alternativo, assumia o papel da banda.

Vieram depois os CDs e mais tarde a internet. E deu-se a confirmação: nenhuma outra banda ou artista chegou perto dos ABBA na sensação que em mim desperta, sempre que um som ou menção aflora nas redondezas. Cheguei a comprar outros álbuns (Ring, Ring, o primeiro, Arrival, o quarto, e The Visitors, o oitavo e último, e a minha irmã Joana – julgo ter sido ela – ofereceu-me Super Trouper, o sétimo), já com algum critério, mas o pronúncio vaticinado há tantos anos de que, tendo começado pelo melhor, pouco restaria para descobrir, não se tendo verificado completamente (descobri muita música), moldou de forma indelével o meu gosto musical numa época muito mais melodiosa. Não sei se pela idade em que tive contacto com estas músicas, se pelo antegosto da adolescência ter aguçado alguma sensibilidade, a verdade é que, tal como as experiências de infância ou os amores da adolescência, o momento em que as décadas musicais de 60 e 70 entraram na minha vida, aconteceu quando as portas sensoriais estavam escancaradas para assimilar o que quer que me viesse formar.

Por isso digo, com uma certeza que poucas vezes experimento, que as minhas paixões estão no cinema e na literatura. A música ficou lá atrás, apesar de sempre me ter acompanhado e de, ao longo dos anos, ter descoberto muita coisa boa – CSNY, Joni Mitchel, Simon & Garfunkel, Eagles … e tantos mais, além do que herdei das noites da Nostalgia – ficou sempre uma inclinação para aquelas décadas douradas, e um pedestal reservado para os ABBA, intocáveis, no meu olhar adolescente, entre toda a música que se faz no mundo.

Nada do que aqui escrevi teria sido evocado, não fosse ser lançado no próximo dia cinco de Novembro um novo álbum dos ABBA, quarenta anos depois de The Visitors, saído no ano em que nasci. Talvez seja demasiado infantil demorar-me na excitação (verdade: a palavra é essa) e expectativa que este acontecimento me trouxe. Julgo só ter experimentado algo parecido com o lançamento de Vai e Põe uma Sentinela, de Harper Lee, em 2015, cinquenta e cinco anos depois da autora ter escrito o seu único livro (até à data), Não Matem a Cotovia. Na altura, redundou numa desilusão (que em nada beliscou a apreciação da primeira obra: essa permanece intocável). Admito que com Voyage (o novo álbum dos ABBA) possa acontecer o mesmo, mas enquanto as músicas não saírem e eu as puder saborear como tenho feito com os dois singles já divulgados vou continuando a viver esta pequena vinheta da adolescência.

É também para nos arrancar desta forma à realidade que a Arte existe.

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