A violência não tem género

“Se não disseres que me amas eu mato a tua filha…”

Esta foi uma das inúmeras ameaças que a ex-companheira de Vasco (nome fictício), proferiu para manipular a sua vontade.

Para quem crê que os homens numa relação heterossexual não podem ser vítimas de violência doméstica, peço que se recordem que o ser humano é falível e tem em si instalada a semente do caos, que em mentes mais favoráveis para germinar, tornam-se capazes de fazer subir o inferno à terra. Existem leis estendidas, de facto, mas o cromossoma XY está em desvantagem aos olhos da comunidade.

Recuso-me a aceitar que uma sociedade como a nossa, em pleno século XXI, possa crer nas viagens ao espaço ou no tarot e em signos, no entanto, descredibilizam e ridicularizam o facto de o homem poder sofrer barbaridades nas mãos de uma mulher.

Apresentar Queixa na Polícia

police car, light, police

Em conversa com um agente da PSP, soube que as queixas por parte dos homens têm aumentado. Será a chamada de atenção suficiente?

Os homens que apresentam queixa de violência doméstica na sua maioria são contra uma mulher?

Agente da PSP: Sim.

São bem recebidos ou são recebidos com descrença?

Agente da PSP: Pela minha experiência, sim, são bem recebidos, igual às mulheres.

A lei defende a vítima de igual forma sem olhar ao género?

Agente da PSP: A lei defende de igual forma, não diferencia o homem e a mulher.

Quais as medidas de prevenção após uma vítima de violência doméstica apresentar queixa?

Agente da PSP: Após uma denúncia de violência doméstica, ao nível da polícia e dependendo da situação e do risco, encaminhamos a vítima para alguma instituição, quando a vítima assim o entende, porque, na maioria, não querem sair de casa. Retirada de menores, se necessário. A detenção para apresentação ao Juiz para aplicação de uma medida de coação, como a prisão preventiva e a atribuição de um aparelho de teleassistência.

No caso do homem as medidas são feitas da mesma forma?

Agente da PSP: Como disse acima, a lei não defere para o homem e para a mulher, as medidas são as mesmas, mas tanto na polícia como no tribunal, há bons e maus profissionais.

Qual é a sua opinião sobre este assunto?

Agente da PSP: Pessoalmente acho que há muita violência doméstica escondida entre paredes. Pela minha experiência, a maioria das vítimas não cumpre com as medidas de proteção. Há muita banalização na violência doméstica, o que não deveria acontecer. Muitos procedimentos e poucos recursos.

Como sabemos também, infelizmente nem sempre é assim.

Segundo a experiência de Vasco, foi difícil apresentar queixa da violência sofrida. O que não melhorou após a agressora chegar e tornou-se impossível acreditarem nele perante uma falsa testemunha que a abusadora levou consigo.

Como é que tudo começa?

person with white paper on his head

A face mais doce é apresentada. Depois, cai um manto de inocência e vulnerabilidade por parte da agressora. É-lhe dado o benefício da dúvida.

Em seguida, faz-se de tudo para prender a vítima à relação. A abusadora sondou os hábitos e desejos dele. Ao conseguir apanhar a sua presa na teia, a máscara cai para o companheiro e começa o verdadeiro terror.

Não foi um testemunho fácil de escutar. Damos connosco a questionar como faríamos se estivéssemos no lugar de quem sofreu e chegamos à conclusão de que a imaginação vai muito mais além do possível, sobretudo, quando a vítima já nasceu num lar negligente e abusivo.

Relações que duram anos, onde a vítima é declarada como sendo o agressor através da arte da manipulação do ser narcisista. O rasgão da personalidade que se vai perdendo a cada abuso, seja físico ou psicológico.

A falta de moralidade que deixa um rasto de vítimas atrás de si.

A violência doméstica não tem género ou idade e, quando compreendemos que a lei tem represálias que afetam mais quem depende de nós só para a nossa proteção, aparece o outro lado do espelho.

O que leva a que as vítimas optem pelo lar amaldiçoado? Quão está a mente destruída e vulnerável?

Neste caso que me chegou, a resposta é simples. No entanto, com bastante peso: os filhos.

Ele tentou recorrer às autoridades?

R: Sim, quando ela quase atirou o pai pelas escadas abaixo e foi impedida pelo Vasco. Ela ia matar o pai, idoso, ali mesmo, se chegasse a empurrá-lo, mas o Vasco percebeu o que ia acontecer e agarrou-lhe os braços de forma a impedir. O problema foi ter marcado. Tentou ser mais rápido, só que não levou testemunhas com ele e, quando estava a tentar fazer uma queixa na polícia, ela chegou com a filha mais velha, acusou-o de violá-la e agredi-la umas quantas vezes. Obviamente, as autoridades deram atenção à Rute [nome fictício da agressora] que vinha com marcas e testemunha.

Porque é que ele acabava sempre por voltar, apesar de tudo?

R: Ela ameaçava-o. Se ele não voltasse (a casa), naquele instante, fazia mal às meninas.

Consegue dar-me um exemplo?

R: Quando estava grávida da quarta filha (a terceira dele), ameaçou que abortava a bebé, se ele não fizesse o que ela queria. A gravidez estava quase no fim.

Ninguém achava estranha a situação, sendo que os vizinhos a conheciam?

R: Ela acusava-o de ser o garanhão do sítio, que andava com todas, enquanto ela, pobrezinha, era uma vítima da sua própria família.

a man sitting on a bed holding a baby

Realmente não se fala de muito de casos deste género e porquê? A vergonha, a falta de apoio e a ridicularização. Não existe uma plataforma digna para erguer os braços para amparar e isso deixa-me revolta. A lei dita um formato numa era onde o pau tem dois bicos e nada é linear.

O mundo está a preparar-se aos soluços para admitir a versão mais vulnerável do homem e não é de agora que essa questão existe. Muitos homens foram assassinados por mulheres. Temos um caso muito famoso até – Giulia Tofana. Conta-se que tenha assassinado cerca de seiscentos homens com veneno. E porquê? Porque as esposas estavam descontentes com os maridos que tinham.

Há provas, há história e tudo se torna possível.

Muita força teve Vasco para não se tornar no agressor e tudo por amor aos filhos, tudo por respeito aos sogros que adotou como pais.

A consequência das justificações forçadas e constantes, para quem maltrata, é uma vida de miséria, enquanto uma das partes for viva.

“Se não disseres que me amas eu mato a tua filha…” Esta foi uma das inúmeras ameaças que a ex-companheira de Vasco (nome fictício), proferiu para manipular a sua vontade. Para quem crê que os homens numa relação heterossexual não podem ser vítimas de violência doméstica, peço que se recordem que o ser humano é falível e tem em si instalada a semente do caos, que em mentes mais favoráveis para germinar, tornam-se capazes de fazer subir o inferno à terra. Há leis estendidas, de facto, mas o cromossoma XY está em desvantagem aos olhos da comunidade. Recuso-me a aceitar…

Por que razão ninguém se dignou a apresentar queixa?

Os pais por cada sessão de gritos e violência desculpavam-na com: “Isso é o Diabo!” A sogra dizia: “Coitada, é muita pressão. Cinco filhos, não está boa da cabeça.” E era isto constantemente. “Coitada da menina.”

Realmente, não pode ser boa da cabeça e, citando uma profissional que está a par do caso, “não existem comprimidos para a maldade.”

man with tattoo on his right hand

O Sofrimento deve ter sempre uma Voz

Como se pode ver, neste caso, temos inúmeras pessoas que têm conhecimento dos abusos constantes, tanto aos idosos, como aos filhos e ao ex-companheiro e ninguém se digna a fazer uma denúncia, mesmo que anónima. Que mundo é este em que vivemos onde uma única pessoa é responsável pela degradação de tantas vidas?

É por isso que chego às seguintes conclusões:

  • Precisamos de reforçar as leis, de formar mais e melhor quem as exerce, de estudar as mentalidades que estão na sombra de quem pode com um toque de martelo influenciar o resto da nossa vida.
  • Como é possível instalar o receio na vítima ou ter de ser ela a mudar-se? Porque não se muda a agressora?
  • As prioridades deveriam girar em 180º, reforçar os apoios. Que as vítimas sejam levadas mais a sério, pois todos sabemos que existem.
  • Será realmente necessário tirarem os filhos a quem já sofreu tanto, ao invés de arranjar meios eficientes para auxiliar estas famílias a ultrapassar o trauma de uma vida?

A consciencialização pode começar também nas escolas, o mais cedo possível. Há crianças que não têm noção da gravidade do que assistem nem o que podem realmente fazer, era um excelente ponto de partida. Contudo, o que parece é que, quanta mais informação há, menos querem realmente saber. Só mesmo quando chega a hora do funeral.

Orações vazias no final, só consolam os vivos.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico.

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Comments 10
  1. Olá, Diana!
    Excelente artigo! Duro, real, frio, objectivo e, simultaneamente, poderoso ao tocar na ferida que é a violência doméstica. Que, tal como acontece, com as mulheres, os homens são vítimas silenciosas dos seus agressores. E, da SOCIEDADE!
    Assim como, “se olha para o lado” na pobreza que habita nas ruas, “ninguém mete a colher entre marido e mulher”, ridicularizando a sociedade e a responsabilidade dos cidadãos em ser parte activa e denunciar. Perfeitamente compreensível a inacção, pois ninguém quer ser ridicularizado, tal como as vítimas que perpetuam essa condição, e que se sentem isoladas porque sabem que, todos ao redor, os vão ignorar. Muito bom mesmo! Parabéns!

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