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A Síndrome do Engenheiro Encantado

Maria Amélia Chaves foi a primeira mulher engenheira a formar-se em Engenharia, especificamente em Engenharia Civil, em 1937,no Instituto Superior Técnico.

Este ano e volvidos 82 anos após esta data, a Ordem dos Engenheiros promoveu, a rosa, o dia 23 de Junho como o Dia Internacional das Mulheres na Engenheira. Não existe qualquer Dia Internacional dos Homens na Engenharia (Consigo ouvir daqui a piada típica, que estarão a fazer alguns leitores, de que o Dia Internacional dos Homens Engenheiros são os outros todos!).

A paridade entre homens e mulheres sempre me pareceu um disparate, dar benesses e tratamento especial a um ser humano só porque este é feminino, é discriminar a diferença natural entre sexos.

Se entendo e respeito a existência do Dia Internacional da Mulher, a 8 de Março, como marco pelas lutas e conquista, promovidas desde o início de 1900, pela igualdade nos direitos civis das mulheres, como o direito ao voto por exemplo, já o Dia da Mulher Engenheira é um disparate nonsense e ridículo. Assim como as regras de paridade no parlamento e outros organismos, ou notícias do número de mulheres no governo recém formado, ou o festejo parvo das mulheres a exigir “prendinhas”, frases fofinhas e jantares temáticos nestes dias.

A Maria Amélia, que se formou em 1937 como Engenheira e que embarcou na louca aventura do mundo das obras, até 1969 ainda precisava de autorização de um homem (pai, marido, irmão, outro) para sair do país, e embora desde 1913 que em Portugal pudessem votar os que sabiam ler, escrever e fossem independentes, as mulheres em Portugal só viram indubitavelmente reconhecido o direito de voto depois do 25 de Abril de 1974, com a lei n.º 621/74 de 15 de Novembro.

Nunca senti que era menos capaz ou tivesse menos competência para fazer o mesmo que os homens, mas hoje 2019, continuo a ter que trabalhar pelo menos o triplo para que respeitem o meu trabalho e ouçam a minha opinião, sujeitando-me constantemente a ouvir comentários parvos e a ter que responder com sorriso de “jarra”.

Quer o homem, quer a mulher, para além das caraterísticas físicas que os distinguem, distinguem-se pelas suas personalidades e pelas formas de estar. Na maior parte dos ambientes de trabalho de engenharia, vive-se ainda numa liderança autocrática e agressiva: és um bom profissional se berrares muito e se fizeres questão de espezinhar os outros em público.

Neste contexto, ser mulher, é na maioria dos casos um handicap. A condição de ter uma voz mais aguda, com raras exceções, implica que quando elevas o tom de voz, começas a disparar lanças afiadas, e tendencialmente, embarcas em dissertações verbais das quais o cérebro do homem só OUVE as 4 primeiras palavras proferidas (acontece o mesmo na vida pessoal). Quando uma mulher eleva a voz é classificada como histérica e nervosa, alguém que não se controla e sem resistência ao stress (seja lá o que isso for), mas tranquila mulher, que nestas situações aparece sempre um homem disposto não a ouvir-te, mas a dar-te um copo de água com açúcar e a oferecer-te boleia para ires para casa descansar, afirmando categoricamente que ele depois resolve o assunto. Esta síndrome é comum aos homens não engenheiros, mas neste caso específico, apelido-a da Síndrome do engenheiro encantado, em qualquer canto ou esquina tropeças num “príncipe encantado” desejoso por te salvar.

Assim, a única explicação que encontro para comemorar o Dia Internacional da Mulher Engenheira, é a de que este dia, seja na verdade, um mote que os homens engenheiros arranjaram para expurgarem esta síndrome. E que neste dia livre, de qualquer desconfiança de assédio, possam livremente tentar salvar a sua donzela engenheira com flores, medalhas, café, elogios profissionais, ou outras formas que engendrem.

Contudo, o que provavelmente muitos e muitas não aceitam ou entenderão jamais, é que ser mulher é especial e uma vantagem por si só, seja engenheira ou tenha outra profissão qualquer. E que não existem regras de paridade que permitam a qualquer homem algum dia ser tão completo como uma mulher, ou ter tanta resiliência ás contrariedades da vida e capacidade de gestão.

As mulheres todos os dias quebram barreiras, a maior parte delas invisíveis até para si próprias, superam a dor física e o turbilhão emocional a que são sujeitas involuntária e constantemente, independentemente de receberem salários inferiores e de trabalharem o triplo para atingirem o respeito dos congéneres homens ou de se tornarem umas cabras aos olhos das congéneres mulheres.

Mais do que um Dia Internacional para comemorar, importa-me que a organização, a quem pago cotas para poder exercer a minha profissão, explore e clarifique quais os “projetos” e “obras” que ainda são precisos “construir” para que, 80 anos depois da entrada da Amélia no Mundo laboral, as dificuldades das engenheiras deixem de ser as mesmas.

A Amélia faleceu em 2017. Deixo dois links com entrevistas que publicaram em 2006 e outra em 2010. Valem a pena:

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